O casal e a poesia

O cardápio do restaurante me confunde com suas hortênsias escritas com a letra cê. Estou na avenida das hortênsias. E são roxas, quase todas. Uma alameda de vários tons em grená e verdes esquecidos. Estou na avenida das hortênsias, muito embora o cardápio insista em dizer que não.

É um restaurante alemão. Tudo é alemão por aqui. Italiano é alemão; suíço fala alemão; chinês é loiro e tem sotaque nórdico também.

O dia aqui parece mais azul. Diferentemente da noite, não se veem pedintes e o verde até parece mais lembrado, mais vivo. As pessoas com as quais cruzo pelas ruas, sempre sorriem como se estivessem todas felizes com seus dias, alegres com o céu tão azul e todas as hortênsias roxas e o verde que também parece sorrir.

Quero comer arroz, feijão, bife e ovo frito. O cardápio, que não sabe escrever hortênsias, parece se vingar de mim e me dispõe inúmeros pratos os quais não sei pronunciar. Não como nada que eu não saiba pedir. Quase em silêncio, chamo o garçom e pergunto se servem parmegiana. Sempre é a especialidade da casa! Peço uma. Pequena. E, com jeito, digo que nem precisa do molho nem precisa do queijo. Só o arroz, o bife e a batata. Não tenho coragem de pedir feijão e fico vermelho só de pensar em falar em ovo frito no meio de um restaurante alemão. Pra beber, apenas água, muita água, que meu fígado agradece.

Assim como nas ruas, todos no restaurante estão determinados a sorrir. E se cumprimentam entre si como velhos conhecidos e se abrem em sorrisos e olhares prestimosos até pra mim.

Há um casal na mesa da janela principal. Um lindo casal. O brilho tão novo da aliança na mão esquerda da moça e uma rosa vermelha postada sobre a mesa dão-me a ideia de que estão em lua de mel.

Conversam quase que somente com os olhos. Mãos pousadas sobre as mãos e sorrisos que parecem eternos, mansos e tão verdadeiros.

O garçom me traz a água. Quase não tiro os olhos do casal. Apenas quando uma vendedora de rosas me chega à mesa com uma linda flor às mãos. Pro seu amor, ela me diz. Desvio os olhos da janela principal e me encanto com a flor. Me encanto com a senhora. Com o sorriso da senhora. Todos os sorrisos me encantam. Recuso, agradeço e volto os olhos aos olhos do casal.

É quando meu filho me liga. Quer ajuda no dever. Quer que eu diga uma palavra que seja da mesma família de "prosa". Prosador, respondo imediatamente.

- Mais uma, pai... Poesia.

Poeta.

- Beleza, pai! - continua. - Agora preciso escrever uma poesia... Me fala uma, pai.

Poesia, poesia, poesia...

O garçom traz a comida. O arroz que faço fica mais bonitinho.

Poesia, poesia, poesia...

- Pai!!

Digo a ele que pegue um livro que fica perto do computador. Há muitas poesias lá.

- Escolha uma pequena.

- Beijo, pai.

E desliga. Não espera o meu beijo. Não espera o meu abraço.

Poesia, poesia, poesia...

A alameda inteira lá fora é poesia. O sorriso de todos que me circundam é poesia. O céu azul mais azul que já presenciei é poesia. Mas não há, não houve tanta poesia quanto nos olhos dos dois que se sentam perto da janela principal.

Se eu ainda fosse dado à poesia, escreveria algo grandioso, algo tão belo que declamaria em voz alta para todos aqueles sorrisos saberem da poesia dos olhos daquele casal.

Mas eu tenho um prato de arroz à minha frente. E deve me dar trabalho por um bom tempo. Graças a Deus.

Capiau da roça
Enviado por Capiau da roça em 28/05/2012
Reeditado em 29/05/2012
Código do texto: T3693111