Esperança? Só sei...
Só sei que não sei. Por que o homem disse que éramos nada e falou sobre a morte. Nos fez ouvir Celine Dion e descreveu um orfanato, num discurso demagogo. Algumas pessoas choraram. Eu não escutei, minha cabeça estava no mendigo de Santana, que tatuava números em carvão pelas pernas e braços e de cabelo despenteado cruzava os braços e soletrava a palavra “futuro”, sob o sol do meio dia. Era instigante, triste e engraçado ao mesmo tempo. Uma senhora se abana com um leque, olha o mendigo maltrapilho e faz cara de blasé para o céu. No ônibus lotado e abafado, recebo mensagens da Amélia e converso com o José, que está ao meu lado. O assunto (ou a falta dele) é o mesmo. Digo que não farei faculdade. Pra quê? Não há nada que eu queira fazer mesmo... José repreende minhas escolhas e vem com falso moralismo. Diz que vai se alistar no exército. Boa sorte, José. Eu estava/ estou num momento de puro torpor. Não quero nada. Não penso em nada. Não faço nada. Só nada, acredito que isso é tudo que há, nada. Não espero muito da vida, não sei. O pouco me é suficiente, quero viver sem lutas, quero “ir indo” até decidir por alguma coisa, qualquer coisa... Não consigo me lembrar o que mais aconteceu. Isso me aconteceu em janeiro, escrevo com atraso. Só sei que em certo momento da viagem o ônibus parou e depois de alguns segundos iniciou-se uma certa “inquietação” e pude ouvir alguns insultos vindos da parte da frente. Um palhaço sob um par de pernas de pau havia parado o ônibus para fazer propagandas de uma loja que estreara por ali. O motorista, impaciente quis ignorar e dar continuidade a viagem, mas o enorme palhaço com a maquiagem derretida de suor segurou a porta e disse em alto e bom tom – Estou apenas fazendo o meu trabalho, tenho dois filhos em casa pra criar e me submeto a isso. Agora você vai ter que me escutar, queira ou não, porra!
O motorista retrucou algo num sotaque confuso qual não foi possível compreender. Uma senhora se pôs a reclamar cegamente, levantando um coro de lamentações, de repente o meio de transporte público já havia se transformado num verdadeiro espetáculo de gritos desenfreados destinados ao vento ou sei-lá-quem. O palhaço se irritou e não quis mais papo, arremessou para dentro do ônibus dezenas de balões coloridos. O ônibus fechou as portas e o motorista voltou a dirigi-lo. Todos se sentaram e tudo voltou ao normal. Pararam de falar e voltaram a fazer a cara feia de cansaço e infelicidade de todos os dias. José se acabava em risos, olhei meio confuso janela à fora tentando entender o que havia se passado, quando noto, por ventura, um balão verde que toca meu pé. Estico o braço e o trago para mim. É um balão de esperança. É a esperança que chega, antes tarde do que nunca...
“ESPERANÇA CALÇADOS E BOLSAS, O MENOR PREÇO, O MELHOR ATENDIMENTO.”
Melhor momento, impossível.