Tributo sem rima

Leio na imprensa que, pela oitava vez, vândalos danificam a estátua de Carlos Drummond de Andrade, erigida há dez anos, por ocasião das homenagens ao centenário de nascimento do poeta. Acabei julgando atualíssimo algo que escrevi àquela época – quando também se inaugurava a contra-homenagem! – e divido com os leitores deste democrático espaço.

Os jornais noticiaram amplamente a ação de vândalos que picharam a estátua de nosso Carlos Drummond de Andrade, erigida, em tamanho natural, em um banco de praia de Copacabana. Na TV, apresentadores estarrecidos noticiaram o desrespeito, sublinhando a deseducação que campeia na sociedade.

Estivesse vivo, Drummond comemoraria cem anos. Choveram homenagens pelo Brasil afora. Nenhuma, talvez, tão singular quanto a da prefeitura do Rio de Janeiro, que reproduziu o poeta reflexivo, de costas para a praia e atento aos passantes. Uma homenagem a quem se inspirou muito na cidade maravilhosa. Justa homenagem, justíssima!

Seria o poeta homem de estátuas, de se imaginar homenageado tão publicamente, tão ostensivamente? Para a prefeitura do Rio, sim... Estaria o poeta feliz com a promoção a monumento em praia pública? Tinha uma pedra inesquecível no meio do caminho dele... Tinha uma pedra... Agora a pedra se faz estátua de bronze, se faz homenagem de homens e fardo ao homenageado... Estará ele pensando... Essa pedra na praia faz eles me verem todos os dias, pensarem que me fui e, de tanto me verem, de tanto ficarem acostumados comigo calado, refletindo, olhando, sem nada poder dizer, talvez se esqueçam das estátuas que dizem que escrevi.

Ah! É possível que o poeta, homem educado e cordial que era, jamais declinasse da homenagem, mas a recebesse com alegria ressentida de quem percebe que não foi entendido. Aquele alheamento à porosidade e à comunicação ele diz que vem de Itabira, das noites tristes de Itabira. E ele tinha saudades desse tempo, que o marcou, que o fez um homem orgulhoso, de cabeça baixa. Era essa a imagem que ele passava. Não era homem que se imaginava em estátuas, mas, talvez, quando muito, em uma fotografia de parede, como a de sua Itabira.

Em seu último ano de vida, Drummond foi homenageado pela Estação Primeira de Mangueira, que se sagrou campeã na época. Agradeceu com poucas palavras, dando uma breve entrevista pelo interfone do prédio em que morava. O poeta da pedra recebeu alguns prêmios por sua obra, mas jamais concorreu à Academia Brasileira de Letras, onde certamente teria o mais destacado dos assentos.

Alguém tem a ideia... Ah! Ele era assim? Façamos-lhe uma estátua. Erigida e inaugurada, vândalos lhe picharam a memória... Aos nossos olhos, uma ofensa, uma profanação; aos olhos do poeta lá distante, recôndito, um tributo sem rima e sem solução. (novembro de 2002)