CHECK-UP II
Como contei na última crônica, fiz, recentemente, uma série de exames para ser admitido em um programa da Educação no qual fui selecionado, mediante currículo, para trabalhar a diversidade da educação do campo.
Depois de um dia exaustivo de entra e sai de consultórios e laboratórios, o último compromisso do dia foi com o professor doutor Daury Lima do Nascimento, um neuropsicólogo, formado pela Universidade de Salamanca, na Espanha.
Doutor Daury, como é conhecido, é autor de alguns livros, dentre eles PIAE – Programa Individual de Apoio Educativo às Crianças com Síndrome de Down, Adolescentes ou Aborrecentes? – e “Síndrome de Down! Quem sou Eu?”.
Pois bem... Eu já o conhecia de nome, porém nunca havia estado frente a frente com ele. Nem nunca o tinha visto – nem por fotografia. Entretanto, um de seus livros já fez parte de minhas aulas quando ministrei – por algumas vezes – a cadeira “Atuação com Adolescentes em Situação Educacional”, em um curso de pós-graduação em Psicologia Educacional (FIP).
Assim, depois de pedir informações sobre quem poderia me atender para fornecer um Atestado de Sanidade Mental, eu fui encaminhado ao consultório do citado doutor. Acertados os honorários com a sua atendente, fiquei esperando a minha vez de ser recebido pelo mesmo.
Enquanto esperava, uma dúvida passou a martelar o meu “quengo”: será que depois de tanto anos na labuta, de já ter visto tantas coisas (boas e ruins, certas e erradas), será que eu ainda me mantenho equilibrado na minha profissão ou até fora dela?
Que nada! – pensei. Eu mesmo já fiz alguns testes deste tipo, em várias ocasiões, e passei em todos! – concluí.
– Senhor, queira se sentar, por favor, disse-me a educada e prestativa atendente.
Quando eu ouvi a voz, foi que percebi que estava de pé, andando de um lado para o outro (parecia aquele treinador de um time de futebol argentino – o tal de Bielsa). Mal. Deste jeito nem vai ser preciso eu entrar. A própria atendente já pode diagnosticar, pensei.
De soslaio, olhei para a atenta atendente. De fato, ela me olhava (talvez durante anos, sendo a primeira a ter contato com os pacientes a credencie – claro – pela experiência, a ter uma visão, embora leiga, de quem se enquadra ou não nos padrões convencionados de normalidade. Embora o seu profissionalismo não lhe permita nada além do olhar, com certeza, ela sabe pelo menos diferenciar quem tem ou quem não tem algum problema “embutido”) muito interessada no meu ir e vir (quase cheguei a dizer-lhe que o ir e vir está na Constituição, mas achei melhor ficar calado), apesar do seu discreto vai e vem do olhar (imagine um jogo de tênis visto pela plateia).
Finalmente a porta se abriu, o paciente saiu e, em seguida, eu fui convidado a entrar. Lá dentro dei de cara com o doutor Daury. Depois das apresentações, eu lhe disse que jamais imaginaria ser ele o doutor Daury, pois já o tinha visto várias vezes no centro da cidade ou em eventos, porém nunca havia ligado a pessoa ao profissional que estuda as relações entre o cérebro e o comportamento humano em seu processo investigativo.
Ele riu e me disse mais ou menos a mesma coisa com relação ao cronista do jornal Gazeta do Oeste: lê, com frequência, as minhas crônicas, mas jamais me associou com a pessoa que ele já tinha visto em diversos lugares públicos.
Bem, depois do bate papo informal, eu falei porque estava ali. Ele me ouviu atentamente, para dizer, quando acabei de falar, que “tudo bem, mas nós vamos fazer todos os testes”.
Vamos, disse eu. Sentei-me junto a uma mesa sobre a qual estavam dispostos uma folha de papel ofício A4, um lápis e uma borracha. Ele pediu-me: desenhe uma árvore. Desenhei uma "árvore-rosa". Sim, um misto disso mesmo. Quando acabei, ele me perguntou se ela (a árvore) estava viva. Uma pergunta de raciocínio rápido, de resposta clara e simples, mas que envolve emoção, por incrível que pareça.
Disse-lhe: doutor, na hora em que comecei a desenhar, o meu pensamento voltou-se para um passado onde existia, na casinha de taipa que eu morava, um pé de cajarana na sua frente. Lá, eu brincava embaixo de seus frondosos galhos e, de quebra, ainda chupava o seu fruto e matava a fome. Essa árvore não existe mais. Portanto, baseado em minhas memórias, ela está morta.
Talvez tenha sido a melhor entre todas as respostas possíveis, pois a tendência seria dizer que ela está viva (já que a memória permanece viva e, consequentemente, a imagem também). Mas, o que eu estava fazendo era um desenho, algo fictício, abstrato daquilo que se chama árvore (pois, na verdade, as linhas traçadas, naquele momento, nem representavam o que fora proposto). Neste caso, nem viva e nem morta, apenas um desenho. "Tou certo ou tou errado?" – já dizia Sinhozinho Malta, na novela Roque Santeiro.
Continua...
Obs.: Imagem da Web
Como contei na última crônica, fiz, recentemente, uma série de exames para ser admitido em um programa da Educação no qual fui selecionado, mediante currículo, para trabalhar a diversidade da educação do campo.
Depois de um dia exaustivo de entra e sai de consultórios e laboratórios, o último compromisso do dia foi com o professor doutor Daury Lima do Nascimento, um neuropsicólogo, formado pela Universidade de Salamanca, na Espanha.
Doutor Daury, como é conhecido, é autor de alguns livros, dentre eles PIAE – Programa Individual de Apoio Educativo às Crianças com Síndrome de Down, Adolescentes ou Aborrecentes? – e “Síndrome de Down! Quem sou Eu?”.
Pois bem... Eu já o conhecia de nome, porém nunca havia estado frente a frente com ele. Nem nunca o tinha visto – nem por fotografia. Entretanto, um de seus livros já fez parte de minhas aulas quando ministrei – por algumas vezes – a cadeira “Atuação com Adolescentes em Situação Educacional”, em um curso de pós-graduação em Psicologia Educacional (FIP).
Assim, depois de pedir informações sobre quem poderia me atender para fornecer um Atestado de Sanidade Mental, eu fui encaminhado ao consultório do citado doutor. Acertados os honorários com a sua atendente, fiquei esperando a minha vez de ser recebido pelo mesmo.
Enquanto esperava, uma dúvida passou a martelar o meu “quengo”: será que depois de tanto anos na labuta, de já ter visto tantas coisas (boas e ruins, certas e erradas), será que eu ainda me mantenho equilibrado na minha profissão ou até fora dela?
Que nada! – pensei. Eu mesmo já fiz alguns testes deste tipo, em várias ocasiões, e passei em todos! – concluí.
– Senhor, queira se sentar, por favor, disse-me a educada e prestativa atendente.
Quando eu ouvi a voz, foi que percebi que estava de pé, andando de um lado para o outro (parecia aquele treinador de um time de futebol argentino – o tal de Bielsa). Mal. Deste jeito nem vai ser preciso eu entrar. A própria atendente já pode diagnosticar, pensei.
De soslaio, olhei para a atenta atendente. De fato, ela me olhava (talvez durante anos, sendo a primeira a ter contato com os pacientes a credencie – claro – pela experiência, a ter uma visão, embora leiga, de quem se enquadra ou não nos padrões convencionados de normalidade. Embora o seu profissionalismo não lhe permita nada além do olhar, com certeza, ela sabe pelo menos diferenciar quem tem ou quem não tem algum problema “embutido”) muito interessada no meu ir e vir (quase cheguei a dizer-lhe que o ir e vir está na Constituição, mas achei melhor ficar calado), apesar do seu discreto vai e vem do olhar (imagine um jogo de tênis visto pela plateia).
Finalmente a porta se abriu, o paciente saiu e, em seguida, eu fui convidado a entrar. Lá dentro dei de cara com o doutor Daury. Depois das apresentações, eu lhe disse que jamais imaginaria ser ele o doutor Daury, pois já o tinha visto várias vezes no centro da cidade ou em eventos, porém nunca havia ligado a pessoa ao profissional que estuda as relações entre o cérebro e o comportamento humano em seu processo investigativo.
Ele riu e me disse mais ou menos a mesma coisa com relação ao cronista do jornal Gazeta do Oeste: lê, com frequência, as minhas crônicas, mas jamais me associou com a pessoa que ele já tinha visto em diversos lugares públicos.
Bem, depois do bate papo informal, eu falei porque estava ali. Ele me ouviu atentamente, para dizer, quando acabei de falar, que “tudo bem, mas nós vamos fazer todos os testes”.
Vamos, disse eu. Sentei-me junto a uma mesa sobre a qual estavam dispostos uma folha de papel ofício A4, um lápis e uma borracha. Ele pediu-me: desenhe uma árvore. Desenhei uma "árvore-rosa". Sim, um misto disso mesmo. Quando acabei, ele me perguntou se ela (a árvore) estava viva. Uma pergunta de raciocínio rápido, de resposta clara e simples, mas que envolve emoção, por incrível que pareça.
Disse-lhe: doutor, na hora em que comecei a desenhar, o meu pensamento voltou-se para um passado onde existia, na casinha de taipa que eu morava, um pé de cajarana na sua frente. Lá, eu brincava embaixo de seus frondosos galhos e, de quebra, ainda chupava o seu fruto e matava a fome. Essa árvore não existe mais. Portanto, baseado em minhas memórias, ela está morta.
Talvez tenha sido a melhor entre todas as respostas possíveis, pois a tendência seria dizer que ela está viva (já que a memória permanece viva e, consequentemente, a imagem também). Mas, o que eu estava fazendo era um desenho, algo fictício, abstrato daquilo que se chama árvore (pois, na verdade, as linhas traçadas, naquele momento, nem representavam o que fora proposto). Neste caso, nem viva e nem morta, apenas um desenho. "Tou certo ou tou errado?" – já dizia Sinhozinho Malta, na novela Roque Santeiro.
Continua...
Obs.: Imagem da Web