O Bom ladrão de livros
Chegava ele no sábado pela manhã. Olhava pela janela e mamãe na sala dizia logo:
- Pode voltar seu moço. Vai,vai,vai... Já me basta só os meus. Pode voltar para a sua casa.
Nesse interim eu interferia. Fazia uma carinha de choro e pedia:
- Mãe deixa o Betoca ficar.
Enternecida ela acabava deixando, mas com ressalvas.
- Senhor Betinho, se fizer qualquer traquinagem vai embora.
Sem dizer nada o menino entrava na casa e o que ele ouvira de sua tia, acabava nos segundos em que ele se juntava a nós, que éramos os seus primos.
Sem meias palavras começava a inventar, brincar o mundo sem parar.
Um lugar mágico iniciava, nós dois, com outros meninos fazíamos o circo. A manhã toda jogávamos bola e só voltavam quando a vovó Nazaré chamava para almoçar, com um incentivo da muxinga nas mãos. Mais do depressa corríamos em desespero na direção do banheiro, tomávamos banho e depois almoçávamos para descansar.
Antes de sermos obrigados a cesta, Betoca procurava silenciosamente na biblioteca um livro para ler e lá se perder em viagens sem volta, que mal podia compreender.
Adormecia e só acordava quando eu o persuadia com a fascinação de irmos ao morrinho, para subir na famosa ameixeira, e de lá ver a rua inteira até quando a lua se expunha sem qualquer restrição.
Descendo da árvore vinhamos cautelosos por um labirinto de caminhos que dava ao lado da casa do seu Curinga, depois escalávamos a cerca e passávamos para o banho normal.
Quando a mamãe na sala estava reclamando, a gente chegava de mocinhos, éramos, então convidados a tomar o café com pão, para poder ir com a turma brincar de roda, de bandeirinha.
Assanhados nós iniciávamos o cair no poço, quando as meninas se aproximavam. De repente, tudo estava ficando melhor e a mamãe chamava. A principio hesitávamos, sofríamos com as amolações dos colegas, mas logo vinha as ameaças e essas não tínhamos como enfrentar. Assim entravamos sem questionar. Novamente tomávamos banho e ao nos dirigir as nossas redes após o jantar começávamos a repassar as peripécias do dia até o sono nos roubar a energia.
No dia seguinte o coração já amanhecia inquieto, pois já sabia que Betoca ao final da tarde tinha que ir embora. Por isso, brincávamos de tudo o que dava e após a cesta, flagrava o Betoca enterrado lendo outra vez os livros da biblioteca.
Depois da merenda da tarde eu o acompanhava até a Dom Romualdo de Coelho na parada do Djalma Dutra e da janela do ônibus ele dizia:
- Ginoca posso voltar a semana que vem?...
- Pode primo. Vou falar com a mamãe.
Quando chegava em casa, entrava na biblioteca e sentia falta de um livro. Já sabia que o Betoca levará. Dizia ao meu irmão Júnior:
- O Betoca já roubou um livro.
Mas ele me tranquilizava:
- Já sei, mas fica tranquilo no próximo fim de semana ele devolve.
Assim era se fazia, assim se cumpria.