Minutos Antes da Despedida

Era tarde da noite, uma noite fria, cuja neblina ofuscava a vista de um grupo de amigos que voltava de uma festa no centro da cidade. Eles sorriam, brincavam, batiam uns nos outros e, vez ou outra, falavam sobre um garoto estranho, chamado Richard, que estudava na mesma sala que eles fazia dois anos e ninguém sabia nada a respeito dele. Richard era um mistério.

–Talvez ele tenha problemas mentais. É sério, o cara não fala nada e ainda olha torto para todo mundo. –comentou um garoto do grupo chamado Michael.

–Ele me dá medo. –acrescentou Juliana.

E andavam na rua calmamente, fazendo o que as pessoas mais costumam fazer: Julgar os outros sem conhecer suas histórias.

Algum tempo depois, chegaram ao cemitério da cidade e, vendo o portão aberto, resolveram entrar. Avistaram, ao longe, uma figura humana e, agindo por impulso, foram ao encontro dela. Logo reconheceram o indivíduo. Era o Richard. Ele estava perdido no meio da escuridão, respirando o ar podre do mundo vazio em que vivia. Ele os avistou e, assustado, correu rapidamente deixando algo cair. Os garotos o seguiram e insultaram-no sem dó. Juliana foi a única que permaneceu onde estava. Olhou para o chão e viu o que ele deixara cair. Parecia um simples caderno. Curiosa, a garota o abriu e começou a ler o que tinha escrito:

“O mundo sugou a minha alma, a minha felicidade, os meus sentimentos e inclusive a minha capacidade de se importar. Isto não é certo. Mas eu prefiro assim, porque agora eu vivo por mim e as pessoas que se danem.”

A garota folheou as páginas e leu mais alguns trechos:

“Hoje meu pai me espancou mais uma vez, sem nenhum motivo na verdade. Ele simplesmente chegou em casa e me bateu. Isto está virando rotina.”

“O amor. Esta droga que não serve para nada senão para te tornar alguém fraco e irracional. O amor de verdade não existe. Essa é a realidade.”

“Não é como se alguém se importasse, então (…).”

Estes trechos soltos foram suficientes para Juliana entender o que se passava com Richard. O mistério havia acabado. Ele não era louco, retardado ou algo do tipo, era apenas alguém que passou por tanta coisa a ponto de seu mundo virar pó.

Ele não vivia. Ele sobrevivia.

Juliana despistou os amigos e correu em direção à casa do Richard. Ela queria devolver o caderno e ajudá-lo com seus problemas, mas não sabia como. Chegando lá, minutos depois, ela o avistou na varanda e gritou:

–Richard, eu encontrei o seu caderno. Deixe-me ajudá-lo! –Mas ele a ignorou e saiu da varanda.

A garota esperou do outro lado da rua, havia prometido que não sairia dali até falar com ele. Viu os pais do garoto adentrando a casa. Alguns segundos depois, Juliana escutou a mãe de Richard gritando e correu até lá, entrando na casa sem ser convidada. Chegando à cozinha, ela o viu. Morto. Com uma faca atravessando o seu coração e os seus olhos ensanguentados. Era difícil acreditar. Para ela, suicídio não era uma opção, era uma fuga.

Então, direcionou-se até a porta e, antes de sair, murmurou:

–Pessoas silenciosas costumam possuir mentes bagunçadas.

E fechou a porta atrás dela.

(Texto II - A Vida de Richard - Coletânea de Textos)

Lianderson Ferreira
Enviado por Lianderson Ferreira em 26/05/2012
Reeditado em 08/01/2014
Código do texto: T3689470
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