Um dia afinal, sem grana
Sai do trabalho como de costume. Eram 18:10. Pensei que tomar o eixo anhanguera com dez minutos depois do horário de saída de grande parte dos trabalhadores do centro é congestionamento de corpos e empurra-empurra na certa. Decidi então ir por um caminho diferente e aguardar o busão nos arredores da praça universitária.
Desavisado e distraído que sou, percebo que me falta dinheiro para a passagem de ônibus convencional. 25 centavos!!
Na minha mochila só 2,25. Faltavam 0,25 para 2,50, o preço da passagem.
Olho aquela multidão esperando o busão, um dia que parece escurecer mais cedo; lá vem chuva.
Olho cada pessoa naquele ponto de ônibus, todos encolhidos - como que pegando um pedacinho de cobertura para proteção contra chuva.
Como alguém que não estivesse lá no seu melhor dia, me sinto ansioso e desesperado por uma moedinha. Não conhecia ninguém naquele lugar!! Me sentia impotente.. O orgulho me falou mais alto: "Pedir dinheiro para os outros. EU? Essas pessoas mal tem dinheiro para elas." Esses e outros pensamentos de limitação serviriam de álibi para um rapazinho um tanto orgulhoso.
Chuva, consequente frio, sem grana, bem vestido - com roupa de trabalho e tudo o mais que possa se dizer digno.. Seria contraditório esmolar ali uma pessoa com uniforme de trabalho. E se não me olhassem com bons olhos?!!
Comecei, assim como o bom mineiro a "assuntar".
Pergunta ali, faz um comentário na multidão dali, procurando me situar e "sentir" o clima. É assim que gosto de fazer: utilizo a energia das outras pessoas como termômetro da situação e de mim mesmo.
Achei digno ter ouvido resposta aos comentários.
Logo me estabeleci num diálogo com dois estudantes de Engenharia Aeronautica.
Analisei cada um deles:
O mais gordo acabou por me parecer mais reservado, como alguém fechado para manutenção no momento. Talvez não fosse seu melhor dia também. Já o segundo, que me pareceu como o número um, depois - sou muito grato ao seu gesto -, me pareceu um rapaz um tanto mais comunicativo, uma pessoa mais aberta e fácil para se manter uma conversa superficial. Bem via por seu estilo: roupas de marca, estilo despojado e ar despreocupado (seja com as outras pessoas, seja com aflições e pormenores). Pergunto-me até se , por aparentar ter melhor condição econômica e superficializar a sua imagem mostrando apenas o supérfluo, se tornava assim realmente uma pessoa superficial?! Mas isso é uma questão que não vem ao caso no momento.
Análise concluída, permaneci ainda mais firme no orgulho.
Estabelecendo um primeiro contato com o "segundo" estudante, o ambiente passa a se tornar mais "seguro" e familiar.
Assim, acabo por perguntar, como que despretencioso:
- É possível comprar uma viagem dentro do ônibus?? O motorista pára pra gente comprar? - vale saber que ônibus em Goiânia não possui cobrador.
Como que de pronto, o estudante me responde com a pergunta:
- Quanto você têm aí trocado?
Eu digo:
- Trocado... Trocado mesmo só tenho uns 2,25. - Omiti o fato de ser tudo o que me tinha.
O jovem burguês, me abre a carteira, e me surpreende ao mostrar a reluzente moeda que me tirou a dignidade. Me estende todos os vinte e cinto centavos!! Aquele gesto tirou todo o peso sobre mim. E ali passei a ser a pessoa mais grata, pelo menos daquele quarteirão!!
Peguei a moeda com alegria, disfarçada, claro.
Disse, quase que de imediato:
- Noossaa!! Tudo que me faltava. Valeu!
Parecia um milagre. Não precisei pedir e minha necessidade havia sido atendida.
Agradeci e disse o que estava sentindo, e posteriormente que não me esqueceria daquilo.
Hoje o que penso são nos valores..
E, o quanto uma pessoa sem dinheiro ou, pelo menos, sem dinheiro para o básico pode se sentir indigna.
É ingrato como o meu moral ficou abatido. E me compararia e fantasio como se fosse alguém muito necessitado, um mendigo de trapos e farrapos.
E como seria de alguém que vive na miséria material, física e mental , todos os dias. Acaba que se acostuma com tudo, ou se ri de todo o sistema? Disso, que nos impele ao trabalho por "trocados", comparado aos ganhos exorbitantes que proporcionamos como "colaboradores".
Volto-me ao jovem que me contribuiu.
Me revoltei com seu estilo, roupas de marca: cada peça de roupa poderia valer até seiscentas vezes mais do que me faltava naquele momento. Confesso inveja!
Mesmo julgando-o , sei que não posso ser indiferente com seu gesto. Sou muito grato ao futuro piloto de uma companhia aérea. Vai doar seu trabalho e dar asas ao sonhos.
E parece que me acompanha um sentimento de limitação, perda, vazio, impotencia. Mas aquilo tudo passou... E agora quero enxergar as coisas com idéia de Abundância, é como há de ser...
Há espaço e há valor para todos!!
Agora, hei de suspirar em alívio e superação.