Eu, uai sô!

Elizabeth chegou para a tão esperada cirurgia, às 4 da manhã. Como disseram, ela teria que madrugar porque seriam muitos os atendidos. Finalmente iria operar a pálpebra esquerda, que sofreu um rompimento, sequela advinda de uma infecção provocada por um carrapato.

A cirurgia era o grande sonho de sua vida, consertar aquela pálpebra caída que tanto lhe incomodava quando se olhava no espelho. Já estava com 47 anos e desde os quinze que aguardava.

Quando ela chegou já haviam uns 10 à sua frente. Seria um mutirão. Chegava gente de todo o lugar do país e de todas as idades.

Alguns tinham casos mais simples, outros mais complicados, mas todos possíveis de serem resolvidos.

Elizabeth olhava aquele povo e se comprazia. Rapidamente fez amizades com os que estavam à sua volta devido ao seu jeito comunicativo, alegre e simpático e em pouco tempo já sabia sobre a maioria dos casos.

Em um dos casos abordados, Elizabeth conheceu um jovem casal que estava ali com o filho tentando uma colocação para aquele dia. Ele estava aguardando sua cirurgia mas ainda não estava marcada para a presente data. Teriam que esperar muito pois sua operação ainda estava longe na fila dos necessitados.

Elizabeth não pode deixar de se comover ao ver aquela criança, que com uma simples operação voltaria a enxergar. E pensou: "Tenho 47 anos e já vi muita coisa na vida, aquela criança ainda não viu nada e tem tanto a ver!"

Então, ao chegar sua vez, disse para o médico que a operaria: "O senhor pode, por favor, em vez de me operar passar aquela criança no meu lugar?" O médico estranhou a postura daquela senhora que esperou tanto por uma cirurgia e agora cedia lugar por uma criança que nunca tinha visto antes. Mas como sabe que o ser humano também é capaz de atitudes assim, concordou com o pedido.

As outras pessoas que estavam na fila e presenciaram o fato ficaram espantados com a decisão da senhora e alguns disseram: "Ah, mas você é muito boba, esperou tanto! Ah, não tem gente assim não!"

Ela já indo embora, voltou-se e respondeu com um carregado sotaque do interior mineiro: "Tem sim, eu uai sô!"