Mais Que Uma Vida
O ser humano vive em uma época que tenta, desesperadamente, não se apaixonar.
Por mais que muitos discordem, por mais que muitos insistam em dizer que o que mais procuramos hoje em dia é um amor no meio dessa solidão capitalista, ainda acho que a maioria escolhe não se apaixonar todos os dias.
Mas apesar de todo o nosso esforço em nos manter no topo de uma torre de castelo, cercado por muralhas intransponíveis e animais selvagens guardando os portões, sempre haverá quem cairá do céu bem na nossa sacada.
Não dá pra fugir disso, você vai ser pego de surpresa porque é assim que tem que ser.
No começo você é resistente, insiste em não acreditar no que seus olhos e seu coração insistem em te dizer.
Mas uma hora você percebe que não tem mesmo como se manter indiferente, não dá pra evitar, não tem por que fugir.
Você vai tentar correr pra um lugar que é só seu, onde consiga se esconder de suas saudades e vai se surpreender ao ver que até ali, no mais secreto dos seus refúgios, ela é sua lembrança mais intensa.
Você vai chamar alguns amigos pra sair, tentar conversar sobre outros assuntos, mas independente de como a conversa começar, você vai acabar tocando no nome dela.
E por mais que você tente evitar, vai esboçar um sorriso quando enxergar qualquer coisa que te lembre dela.
Quando ouvir uma música que sabe que ela gosta, quando ver outras pessoas usando um casaco parecido com o dela, quando algum amigo falar de um filme que você sabe que a fez chorar.
Você vai saber que não tem volta.
E não tem mais volta porque você enxerga o rosto dela até no teto meio desbotado do seu quarto.
Você agora revê todas as suas fotos antigas e imagina como aquelas paisagens seriam se ela estivesse ao seu lado.
Arrepende-se até de ter conhecido lugares maravilhosos, porque gostaria de esperar para que ela dividisse aquele fascínio da primeira vez com você.
Seus planos mudam, sua vida muda, seu foco muda, sua pressão arterial então nem se fala.
Parece ter mais de um coração no peito, dois ou três talvez. Só isso justificaria a escola de samba que faz enredo em seu peito quando você a vê vindo em sua direção.
E tudo o que você sempre achou que fosse exagero, todas as comédias românticas que você achou que eram piegas, tudo isso agora faz o maior sentido pra você.
Você começa a ler Drummond, Gonçalves Dias, Assis e afins, acha tudo isso o máximo e se pergunta como pôde viver tanto tempo sem toda essa poesia.
Ou melhor, como pode viver tanto tempo sem todo esse amor?
Simples, esse amor só chegou exatamente por ter conseguido viver tanto tempo sem ele.
Para que soubesse o quanto um amor assim faz falta.
Para que possa ver que é preciso valorizar algo assim, por valer mais que uma vida.
N.A: texto dedicado à Flávia Nakamura Lacerda *-*