EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

(Casa no Campo, Zé Rodrix, Sá e Guarabira)

Esta é uma canção, daquelas tantas que me acompanham. Embora a letra pareça ser sempre a mesma, não o é: vive-se e os significados das palavras alteram-se em comunhão com a vida e os novos entendimentos, experiências que dão novo sabor às antigos termos: a arte do viver é intransferível.

Já não sou a primeira que outrora ouvi os mesmos signos, mas diversa, posto que acumulo experiências. A letra, que pareceria inerte, transcende o texto: a cada releitura, ganha vida, travestida em novas significações.

Talvez, tenha me aproximado, hoje, da acepção que o autor, em sua incomparável inspiração, pretendia, ao criar a obra prima.

Talvez.

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

Recebi a graça de ter minha casa no campo. Não bem campo, nem bem montanha: morro. Casa no alto do morro, ampla, com amplo horizonte. Tudo amplidão, no nada-tudo-natureza, o horizonte na curva, avistando mesmo outra cidade.

Da cidade à casa-no-campo, do campo à casa-na-cidade, agora o horizonte é o prédio à frente, o tudo é gente-cimento-automóvel.

Amo o que faço, sinceramente. Mas casa é signo, é o berço que abriga, o colo que conforta, o abraço no, do, para o trabalho. Casa é identidade. Lar. Lar-identidade é uma extensão de quem nela vive.

Quero mais uma vez uma casa no campo: casa-no-campo-praia, em que possa amalgamar tudo o que amo – e já amei – nas duas casas, somadas ao cheiro e à brisa do mar, ainda que o horizonte, desta feita, se faça plano.

ONDE EU POSSA COMPOR MUITOS ROCKS RURAIS

Onde eu possa rabiscar lembranças, estudar (O quê? Qualquer coisa, ora essa!), defender os direitos, dar-me, sem me perder. Onde eu possa aprender música e, quem sabe, compor os meus rocks - rurais ou não – e reproduzir canções que amo.

E TENHA SOMENTE A CERTEZA

DOS AMIGOS DO PEITO E NADA MAIS

Uma casa para viver e receber. Amigos. Fazer ainda mais amigos. Amigos.

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

ONDE EU POSSA FICAR NO TAMANHO DA PAZ

Uma casa para apreciar o contato com a natureza e a solidão. O silêncio que ora não mais encontro quando preciso. Para ler, pensar ou quase dormitar, sem assombros, aflições ou angústias de tanto verde ou quanto cinza.

E TENHA SOMENTE A CERTEZA

DOS LIMITES DO CORPO E NADA MAIS

Que eu alcance meus propósitos mais singelos, resumindo o que de bom trouxe comigo, abrigando-os em um canto novo e meu.

EU QUERO CARNEIROS E CABRAS PASTANDO SOLENES

NO MEU JARDIM

Não, sem carneiros e cabras. Menos arcadismo. Passarinhos. Soltos. Alguns, até, já os conheço: pardais, gaivotas, bem-te-vis, corujas – ainda que tenha sido advertida: “Não são corujas, são caburés!” -, garças, sabiás, cambacicas e a pernalta da praia que não lhe conheço o nome.

EU QUERO O SILÊNCIO DAS LÍNGUAS CANSADAS

Calar, sentir, olhar e ver.

EU QUERO A ESPERANÇA DE ÓCULOS

Sem mais esperanças míopes. Esperar. No entanto, viver o presente, o já. Esperar e não deixar de viver. Zé Rodrix, você foi genial!

MEU FILHO DE CUCA LEGAL

Graças a Deus!

EU QUERO PLANTAR E COLHER COM A MÃO

A PIMENTA E O SAL

E o tomate, o rabanete, o pepino, a horta inteira! Também jardim e pomar, para colher com a mão, cheirar, sorver. Para alegrar os olhos, comungar energias e entregar a alma.

EU QUERO UMA CASA NO CAMPO

DO TAMANHO IDEAL, PAU-A-PIQUE E SAPÉ

Não tão pau-a-pique nem tão sapé, mas do tamanho, sim, ideal para abrigar a mim, ao meu marido-companheiro-amigo e a todos os nossos sonhos (ainda os temos, por que não?)

ONDE EU POSSA PLANTAR MEUS AMIGOS

MEUS DISCOS E LIVROS

E NADA MAIS

Não, mais: mais verde, em cada centímetro quadrado, mais vida, sorrir com os olhos, ao olhar para cada milagre que Deus me permitir compartilhar.

Maria da Glória Perez Delgado Sanches

Membro Correspondente da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo, RJ.

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