Cré com cré

Cré com cré

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Enquanto esperava pela minha simpática secretária Carina, no saguão do Aeroporto Internacional de Guarulhos, sentado praticamente na cara do portão de desembarque dos vôos domésticos, um sujeito tentou me contar uma historinha triste. Percebi que ele trazia no rosto corado (não de vergonha, mas pela falta de destreza em arranjar uma desculpa que convencesse), um histórico negativo de outras pessoas anteriormente abordadas. Deve ter imaginado, ao olhar para mim, que eu era um desses idiotas pé-rapado, com o rabo entre as pernas, cheio de medos, fácil de levar no bico, e que se afogava tropeçando as pernas em pouca água.

Como me considero macaco velho, e em razão disso não meto a mão em cumbuca, ando longe, portanto, de cair como um patinho nesses tipos de lorotas baratas construídas em botecos de esquina. Lado outro, estou careca de saber que nos ajuntamentos de grandes terminais há sempre algum safardana contador de rodelas, procurando tirar proveito da ingenuidade alheia, dos sem malícia e dos puros de espírito e da degenerescência de caráter. Assim, quando o rapaz chegou, com um sorriso maroto à mostra dos dentes bem tratados, me pus em guarda e tratei de me livrar rapidinho do estouvado, sem magoar, usando de toda elegância possível que me ia na alma.

Nos minutos que ficou ali jogando conversa fora, tentando se passar pelo bom samaritano descobri que meu interlocutor havia saído do interior de Belo Horizonte para trabalhar em São Paulo. O empregador (depois de ele ter laborado por trinta dias ininterruptos), não pagou ninguém, deu calote e fugiu com o dinheiro deixando todos os funcionários a ver navios. Esses operários, com ele, chegavam a mais de duzentos. Corroborando sua tese, exibiu o bilhete da companhia aérea de um mês atrás, referente à sua vinda com a respectiva taxa de embarque no aeródromo da Pampulha. Até ai, tudo bem. Casos assim acontecem. Pode, inclusive, suceder com qualquer um de nós.

Para pegar a mentira do dito cujo, me fiz solidário a sua desdita. Ato contínuo me propus a ir com o prezado até o balcão de uma das companhias que cobrem o trecho e, no meu cartão de credito, adquirir a passagem de volta para as Minas Gerais. Para meu espanto e incredulidade, aconteceu exatamente o que eu não esperava: o moço recusou a oferta. Veementemente!

- “Oxente – disse intrigado. – O amigo não quer regressar para a sua terra? Estou lhe pagando o bilhete sem pedir nada em troca. Aceite isso como um presente, de coração!”.

Qual o quê! O engraçadinho tratou de sair da minha aba sem querer se beneficiar da auspiciosa generosidade e gentileza que eu lhe oferecia. Sumiu do pedaço, e, de repente, se tornou invisível, mais difícil de por os olhos em cima, que mulher virgem em terra de tarado. Graças a Deus estava certo. Valeu, pois tirei um peso da consciência. Se não ajudo, me condenaria. Poxa!... Poderia ter acedido, concordado, aquiescido... Se ofereço ajuda, como de fato me dispus, de coração aberto, o que aconteceu? Me deparei com uma surpresa desagradável. Nessa hora a gente se sente impotente, fraco, débil, como se passado para trás. Fatos como esses, me levam a analisar o impasse como se espiasse para quadros de um mesmo pintor com molduras diferentes 1) o cidadão queria, realmente me enlear num enredo e, ao final, passar a mão no meu rico e suado dinheirinho; 2) não viera de onde havia dito coisíssima nenhuma e pretendia inteirar a grana, não para uma passagem de regresso à terra de origem, mas com a finalidade pré estabelecida de voltar ao submundo das drogas. Ou coisa pior, vai se saber, agora, nessa altura do campeonato?

Embora estivesse vestido com certo apuro, acompanhado de uma porção de malas a tira-colo, seu objetivo não se prendia a rever seu velho e abençoado lar, sua casa, seus pares. Ao contrario, objetivava me engambelar, como certamente tentara fazer com outros, antes de me acercar, numa patranha mal ajambrada, com finalidades escusas.

Nessa confusão toda, pelo mau caratismo das pessoas, pelas mentiras, pela falta de decoro e compostura, acaba o justo pagando pelo pecador. Ora, se a intenção do imberbe se baseava, mesmo em voltar nos passos que o trouxera a um fiasco, por que recusou a minha mão estendida ao seu pedido de socorro?

Diante dessa imprevista e inesperada rejeição, restou patente que ele não estava com nenhuma vontade de embarcar para Belo Horizonte. Queria, por certo, dar o surrado “golpe da volta pra casa” e, pior, repetindo, tricotando por conhecidos fios de uma malha de linhas retorcidas que não leva a lugar nenhum, a não ser a desgastante indução do incauto em erro, em juízo falso, ao desvio do caminho certo, sem mencionar, a desagendrada conversa mole, que não convenceria nem uma dessas nobres velhinhas, que não hesitam em abrir a bolsa e dar o pouco que tem, pensando nas regalias do “emprestando aos pobres, se tornará virtuosa aos olhos do Criador”.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 59 anos é jornalista.

Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 23/05/2012
Reeditado em 21/05/2020
Código do texto: T3684453
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