Nos Andes, os velhos aymara contam uma fábula sobre a raposa e a perdiz. Dizem que um dia a raposa procurou a perdiz. Esta ficou muito assustada porque sempre que a raposa lhe procurava era para caçá-la e devorá-la. Mas, naquele dia, a raposa lhe falou:
- Mama perdiz, como é belo o seu canto. Você não poderia me ensinar a cantar assim?
A perdiz, desconfiada, respondeu:
- Não é possível, porque o meu cântico exige que se tenha um bico estreito, pequeno e você tem uma boca muito larga. Aí o som não sai corretamente e fica impossível cantar assim. Com uma boca dessas, o único som que podes emitir é wac, wac e é um som feio.
A raposa saiu e se convenceu de que tinha um som feio e que precisava mudar isso. Procurou de novo a perdiz e perguntou: “O que posso fazer para cantar como tu cantas?”.
A perdiz já mais preparada respondeu como quem não quer nada: “O único jeito seria costurar teu focinho e assim estreitá-lo para que ele possa emitir o som mais parecido com o meu”. A raposa aceitou e a perdiz lhe costurou o bico inteiro. O resultado, vocês imaginam. A perdiz continuou cantando feliz e mais livre. A raposa não conseguiu nunca cantar como uma perdiz e a um determinado momento quis comer a perdiz, mas o focinho costurado não lhe permitiu. Ficou furiosa e fez um esforço tão grande que rasgou o focinho todo, ferindo-o. Durante dias, ela não podia mais comer nada.
Os índios contam essa fábula para falar de sua relação com a sociedade dominante que quer, ao mesmo tempo, cantar como a perdiz e de vez em quando devorá-la. O pequeno só se liberta através da astúcia e da capacidade de surpreender o outro. É claro que a raposa quis cantar como a perdiz porque esta foi capaz de cantar diante dela, ou seja, enfrentar o perigo e mostrar seus dotes. Isso é muito importante em uma sociedade como essa, sem perspectiva e sem esperança.
Nesses últimos anos, à medida que a América Latina viu nascer um novo processo social e político mais popular, ao contrário, a Europa caminhou mais para a direita e para dias piores do que os do passado.
Nesse contexto, penso que é importante  apostar na possibilidade de um diálogo fecundo entre movimentos do campo e da cidade. Diante de projetos de agro-negócio do governo e dos latifundiários, deve-se sériamente incentivar e fomentar a agricultura familiar. As estatísticas mostram que 70% do que se come nas mesas dos brasileiros vem da agricultura familiar. Há alguns anos, era difícil pensar que uma proposta de caráter artesanal pudesse se impor a uma sociedade tão estruturada de forma massiva. Mas, esses movimentos artesanais têm sim se não transformado, ao menos influenciado o conjunto da sociedade a ser mais humana e ecológica.