What´s happening ?
Agosto parece não querer terminar. Foram cinco fins-de-semana, quartas-feiras pegajosas e dias de frio. Faltou grana e fôlego e sobrou motivo para reclamar. - Quantos dias a mais? Alguém me perguntou. Não saberia dizer, ando meio alheio ao calendário. De acordo com meu celular, hoje é sexta 25 de abril e agora são 6:59 da manhã. Se fosse verdade, estaria oito dias após meus 26 anos, numa ressaca gostosa de Sarau, com hálito de tabaco e vinho tinto. A luminária sobre a louça da mesa de centro ainda daria luz a Fernando Pessoa e Hilda Hilst. Enquanto Anike recitaria Caio Fernando, com versos embriagados e ranger de dentes. Grau, em ré maior, comporia um background. Ainda bêbado da nostalgia, acordei às 4 da manhã. O dia tímido me espreitava lá de fora. Meu teto soltou uns pedaços, quebrei o espelho da porta e o pedaço do dente num pirulito. Atrasei o aluguel, não paguei a conta de água e estou fazendo prece para o gás não acabar. Ainda não sou O Astro, embora precise ir urgente ao dentista. Fiz planos. Falei de São Paulo, Barcelona e Miami. Deixei pedaços do coro da canela no Slackline, pedalei com o pneu em 8 e há uma gripe xexelenta vivendo em simbiose comigo. Meus cabelos transtornados, minhas unhas roídas e uma pá de coisas preguiçosas é o que ainda me sustenta. O café continua forte com pouco açúcar. Eu insisto: a cafeína me dá sono. Durmo às 10 da noite e acordo às 6:50. Na malha preta da camisa o sol anuncia a severidade do próximo verão. Tenho feito conexões cerebrais e novos caminhos para ir ao trabalho. Minha mãe me conta em viva voz sobre a ressaca do mar que lavou a barraca da frente ao fundo. Fala em tom de tragicomédia da bandalheira política. Ao passo que divago sobre ecoturismo e problemas estruturais, proponho mudanças radicais de cima de um palanque com dedo em riste. Eu nunca seria eleito mãe, mas pode ser que eu queira ser prefeito. Gustavo até já me deu um slogan: “Kaike Mateus Lamoso. O homem do povo”. Para além disso, já tenho a avenida, a banda e o discurso. Só falta a moça na janela para contemplar o absurdo. Vou me sentir burro como a unanimidade. E a morte, que ao tentar dar cabo em Nelson Rodrigues errou três vezes, talvez me leve em sete atos. Na multidão que me assiste, em meio aos rostos conhecidos, vejo uma senhora de cabelo alvo, olhos serenos e sorriso monalisa. A saudade soa tão íntima, embora doa tão desesperadamente. Identifico-me quando os velhos parecem crianças e quando crianças parecem mais velhas. Minha subversão do tempo é quase físico-quântica. Eu não sou ator, não tenho uma banda e as palavras às vezes me fogem. Continuo vivo e rotineiro. Coloco o sabão em pó de colher e fico vendo a máquina girar. Ando parafraseando a mim mesmo e fecha aspas. Minhas irmãs agora são atrizes e a menor quer sutiã de bojo. Tenho livros no chão do quarto. Talvez eu releia Salinger e viva mais um pouco de Holden Caufield. Anike trouxe Rubem Alves do Rio. E agora que temos o guia, não sei a quem emprestei A Profecia Celestina. Foi para você? Quero um carro, um trago e mais uma dose pra mudar de assunto. Vai entrar setembro. Com essa boa nova tô tranquilo, feito “Easy” na voz de Lionel Ricthie. Recebo beijo de passarinho e visitas no meio da semana. Lembro-me da época em que a vitrola tocava Tina Turner. A change is gonna come, ela dizia. Eu acreditava e acredito. Sim, a mudança está por vir. Ao apartheid musical dei de ombros. Zé tá indo embora pra Itabuna. Eu, estou aqui há quase dois anos. Já não deixo as malas prontas. Mas, por puro impulso, ainda tenho rumo, navio e um porto seguro. Talvez agora eu navegue para o leste. Vai que, do lado de lá do leste, macio e afetuoso, azul mediterrâneo, calmo, calmo, me espere um porto alegre?