Amor sem mordida não é amor



 
 
                             Essa eu aprendi  com  o Jabor, que por sua vez aprendeu com o Nelson Rodrigues: “ no amor, a mulher é fria ou morde”.
                             Às vezes passamos anos e mais anos sem entender uma  certa reação de alguém que nos é próximo. De repente, numa leitura qualquer e despretensiosa, lá está a explicação que nos faltava.  O eterno aprendizado nos faz renascer e nos enche de contentamento.
                             Esse brocardo, vamos dizer assim, do Nelson me fez entender a razão daquela                  mocinha, na hora dos finalmente com seu namorado de alguns anos, começar a ficar arquejante, delirante, gritante, arfante e até  borbulhante. E  gritava,  com o corpo todo tremendo:  “não    para, não para, quero mais, você é o máximo,  e longos ais e uis  podiam       ser ouvidos a um quilômetro de distância. O namorado, assustado, vendo um exagero naquela cena,  pergunta: “ Por que esse comportamento tão quente, já que somos namorados há cinco anos, o que aconteceu?  A resposta veio pronta. – Amor, é pra criar um clima! 
                            É por isso que o  romance, a ânsia de se encontrar o amor da nossa vida tem     primazia sobre todas as outras coisas.  E que me desculpem os mais sóbrios, tem que ter dentada...
                          Todos  aqueles que se apaixonaram um dia jamais esquecerão o tumulto, a agitação, o verdadeiro terremoto por que passaram suas almas. A atenção fica 24 horas voltada para o seu objeto de amor. O mundo e todos à sua volta ficam congelados. Só os dois amantes suspiram e respiram, com um sentimento de  plenitude  maravilhoso.
                          Os poetas descreveriam melhor este sentimento, mas tenho certeza de que os leitores que  já se apaixonaram sabem do que estou falando.
                         Essas considerações rolaram pela minha cabeça, ao ler uma entrevista da grande atriz de teatro, a nossa maravilhosa Bibi Ferreira, que estreou no palco  com 23 dias de nascida.
                        Agora chego no que realmente é importante consignar nesta minha conversa fiada com  o leitor(a). É que o pai da Bibi, o fabuloso e talvez o maior artista de teatro do Brasil, Procópio Ferreira, foi um  homem de paixões fulminantes. Tinha uma sensibilidade à flor da pele e que conseguiu transmitir todo o seu talento para sua primeira filha Bibi Ferreira.
                       Calculo que há uns quarenta anos, Bibi deu uma entrevista na televisão falando sobre seu amado pai. E nos contou a passagem de uma dessas paixões do velho Procópio.
                      Procópio apaixona-se por uma  atriz bem mais moça que ele, durante a exibição de uma    peça que fazia muito sucesso pelo Brasil afora. Depois de algum tempo de romance tórrido, com mordida e tudo, penso eu, eis que a mocinha, frívola, se encanta por um jovem ator  que atuava na mesma peça  de tanto sucesso. Os jovens fogem, deixando o nosso Procópio literalmente no chão.
                    Resultado: peça cancelada e todo o elenco dispensado. Procópio cai doente e se enfurna numa cama e só pensa em morrer.
                   Como sempre, nessas ocasiões, Bibi é chamada para socorrer o pai, que grita, que se lamenta, que pensa em se matar. Aquele drama!
                   Bibi, sua eterna confidente ouvia pacientemente a estória do pai, a sua ida aos céus com a mocinha e, finalmente, a sua queda no mais terrível   inferno.
                 Nessa hora, o cronista não resiste e imagina a cena:
                 - Mas papai, pare com isso, reaja, já entendi. O senhor já passou por outras emoções iguais a essa.
               - Não, minha filha, dessa vez é pra valer: QUERO MORRER!
               - Por favor, papai, deixe disso. E aquela sua combatividade de guerreiro? O senhor vai sair dessa, tenho certeza.
              - Minha filha, lhe suplico, vá até essa moça, fale com ela. Quero saber ao menos a razão dessa atitude dela, inominável, senão morrerei à mingua.
                    Bibi, com o seu jeito gostoso de contar seus casos, com uma inteligência privilegiada, acabava por levantar o moral  do pai e ele galhardamente retornava  à Direção da sua Companhia Teatral, pronto pra outra.
                   Com certeza, os jovens não conhecem nada sobre o grande Procópio Ferreira, o que é uma pena, mas fica aí a lembrança desse notável brasileiro, que nos deixou de presente  a estupenda Bibi Ferreira.  Essa história  jamais esqueci.  E não estou querendo criar nem um clima...
                   Como a recordação  é muito antiga e talvez  algum  engano tenha cometido, encerro parodiando célebre frase do dramaturgo Pirandello: “Assim foi, ao que me parece”.
 
                                                                                                        
                                               
                              Esta crônica é republicação, tendo sido lida apenas pelos meus diletos amigos Zé  Cláudio, Millarray, Lena e Juli.