Às vezes dá bode


Estava aqui me lembrando de quando eu era jovem e por algum tempo trabalhei somente com aulas particulares, quase sempre de recuperação. Eu vivia em Perdizes e preferia ir à casa dos alunos. Alguns moravam perto, no Pacaembu, Higienópolis, Jardim Paulistano. Outros mais distante, Jardim América ou Morumbi. Naquela época não era tão complicado circular de carro pela cidade de São Paulo, eu achava até divertido. Era bem recebida nas casas, sempre com um cafezinho e biscoitos no meio da aula. E depois ainda batia papo com as mães. Assim conheci muita gente interessante.

 

Quando engravidei, já não podia seguir o mesmo ritmo, então passei a dar aulas numa sala ao lado do meu prédio. Outros alunos vieram e de um deles jamais me esqueci, embora seu nome tenha se apagado da minha memória. Devia ter seus onze ou doze anos, era um menino sério e quietinho e como tal, não deixava de fazer as lições da escola. Mas não gostava de português, por isso não se aplicava muito, fazia de qualquer jeito o que a professora mandava. Meu trabalho era rever essas lições, explicando o que ele não compreendia. Um dia, sua tarefa era uma listinha de palavras para procurar os sinônimos. Ele chegou com a lição feita e fomos conferir. Logo percebi que ele não tinha aberto o dicionário. Algumas ele acertou porque já conhecia, outras deixou em branco e diante de duas ou três escreveu o que lhe pareceu ‘lógico’. E aquela marcante, para mim inesquecível, foi a explicação da palavra rebuliço: “alguém que rebola muito”!

 

Como sempre levei a sério o trabalho, controlei a risada que gostaria de ter dado naquele momento. Em vez disso, ensinei o menino a usar o dicionário. E ainda aprendi que lições desse tipo não são produtivas, principalmente para crianças daquela idade. Se as palavras estivessem inseridas num contexto o resultado teria sido bem melhor.

 

No entanto, aprendi também a brincar seguindo essa mesma lógica, principalmente com palavras estrangeiras. É bem engraçado. Meu pai já dizia que conversar com americanos sempre dava bode. Tinham até samba do bode. Não vivem dizendo enibode... sambode...?

 

Lenapena, quando estiver por lá, cuidado com os bodes!