Chega de silêncio!
Acho melhor falar sem rodeios: há uma campanha surda contra o silêncio. Esse silêncio de quem caminha pensando na vida, de quem reflete demoradamente em busca de uma resposta, ou simplesmente de quem pára embaixo de uma árvore e observa uma flor, um inseto qualquer, ou apenas o movimento na rua. O silêncio de uma catedral, o pesado silêncio de uma catedral. Também ele está ameaçado. Consequentemente, estão ameaçadas as silenciosas atividades de poeta e cronista. E não é outra a razão do meu pessimismo senão a recente instalação nos pontos de ônibus de Brasília de um terminal com acesso gratuito à Internet. Ouvi muita gente questionando a segurança do equipamento, e outros tantos avaliando que há coisas mais urgentes a se pensar nesse momento. Ninguém, no entanto, sentiu-se ameaçado ou deixou de ver os benefícios da medida.
E o argumento principal é de que se passa muito tempo esperando o ônibus. Se o passageiro tiver um terminal em que possa acessar a Internet, acabará se distraindo, e então a espera irá demorar menos, e ele não precisará mais passar tanto tempo à toa. Não precisará passar tanto tempo consigo mesmo. Não precisará refletir sobre coisa alguma, e ainda por cima não precisará se preocupar com as pessoas ao redor, que o tempo todo chegam ao ponto cheios de dúvidas e necessidades. Pelo contrário, agora o passageiro poderá usar o seu tempo para ficar bem informado sobre coisas que absolutamente não podem esperar.
Isso é apenas consequência de algo que já existe dentro dos ônibus, que contam com televisões, nas quais podemos acompanhar telejornais, entrevistas sobre saúde, meio ambiente, os gols dos campeonatos europeus e enquetes sobre língua portuguesa. Uma programação voltada especialmente para que você, sentado dentro do ônibus, não se sinta mal por não estar produzindo nada de útil, não se desespere por estar desperdiçando um tempo precioso da sua vida, e de quebra saiba tudo aquilo de essencial que você jamais saberia de outra maneira. O importante é que você esteja bem informado e que permaneça ativo.
Com esse mesmo nobre objetivo, nossos celulares já contam com acesso às redes sociais. Essa evolução permite que aqueles 15 minutos – às vezes 10 – que passamos almoçando também possam ser devidamente aproveitados. Entre uma garfada e outra, podemos descobrir o que nossos amigos estão pensando e – necessidade primordial – podemos interagir com eles. A grande sacada está em ser uma pessoa conectada. Muitas coisas acontecem mundo afora enquanto você gasta o seu tempo comendo.
Isso tudo vem se somar a outras medidas muito acertadas com as quais já nos acostumamos, como a televisão de elevador (que informa e evita o constrangimento de um silêncio coletivo) e a revista de cabeleireiro (fundamental para que você resista à tentação de pensar na sua vida). Não podemos esquecer da nossa própria televisão, ligada apenas porque nos acostumamos com o barulho, e nem mesmo do rádio que ligamos para pegar no sono. A Internet só veio colocar uma pá de cal no silêncio.
Não tendo mais ocasião para refletir nem observar, aguardamos ansiosos a solução que nossos cientistas trarão para resolver o problema do chuveiro.