Os bois de Dr. Jorge
Certo dia, em uma cidade do interior, enquanto conversava com uma senhora pobre, vi que se aproximavam bois pela estradinha, eram belos e gordos animais. Desciam a ladeirinha apertada em desabalada carreira em meio a uma nuvem de pó que levantavam com as patas.
Então eu quis entrar na casa daquela mulher temendo levar uma carreira daqueles animais. A mulher pareceu meio indiferente ao meu temor e, em lugar de me mandar entrar imediatamente, ela fez questão de me avisar, toda orgulhosa, que os bois eram do Dr. Jorge.
Foi aí que perdi a paciência e o medo e perguntei a ela se o Dr. Jorge era o seu (dela) marido. Ela ficou ainda mais enjoada da minha cara e perguntou, com ar de desprezo, se eu não sabia quem era o Dr. Jorge. Falava como se este fosse o mais importante ser sobre a face da terra. E eu me senti um carrapato enfiado no couro de um daqueles bois. Continuei insistente e fiz uma pergunta: a senhora sabe por que é pobre? E, não esperando a resposta, eu disse: a senhora é pobre porque pensa assim e não sabe que parte do dinheiro do Dr. Jorge é seu. Os bois passaram que nem vi. Pois é, quem se der ao trabalho de visitar escolas rurais vai encontrar um monte de professoras enaltecendo os doutores Jorges.
Por estas e tantas outras coisas, o que mais estranho no Brasil é o pouco conhecimento que os brasileiros têm da sua história. Pior ainda, a existência de professores que ensinam o avesso da história e que falam dos brasileiros como se fossem extraterrestres. Somos um povo formado pela união, mesmo que desunida, de índios (habitantes naturais deste terreno), europeus exploradores (colonizadores) e negros arrastados pelos colonizadores para estas paisagens.
Outro dia li um texto de uma moça que insinuava indígenas não serem gente. Essa moça é brasileira, nordestina como eu, pele morena e cabelos lisos como os de Diacuí, Iracema, Moema. De quem seria descendente a não ser dessa maravilha de composição étnica que é a brasileira?
Outro dia mais distante fui repreendida por uma professora de Sociologia que me viu fumando e, sentindo-se incomodada, iniciou uma manifestação oral sobre as coisas boas da Europa e dos países de Primeiro Mundo e disto e de mais aquilo. Para finalizar a manifestação de desagrado, a “socióloga” disse que aquilo que eu estava fazendo era costume de índios, de selvagens.
E por que estou falando destas coisas? Porque a escritora Anita D Cambuim diz em sua crônica que um povo que tem saúde, trabalho e educação não precisa de bolsa escola. E eu tento dizer que esse povo não tem saúde por causa de Jorge; não tem trabalho por causa de Jorge; e não tem educação por causa de Jorge. E é um povo treinado para amar Jorge. Como não se pode resolver um problema causado por tantos Jorges ao longo de mais de 500 anos, alguns novos Jorges tentam manter os bois gordos.
Eu não sou contra as bolsas governamentais, o que pode parecer paradoxal, mas neste texto não discutirei esta questão. Entretanto, cumpre lembrar que os Jorges são umas pestes, umas pragas e difícil é exterminá-los. No passado os Jorges davam preferência à escravidão que engordava os bois. No presente, dão preferência à escravidão que engorda as urnas. E assim se perpetua a falta de saúde, de trabalho e de educação.