A Contra Educação
A Contra Educação
Jorge Linhaça
Uma das coisas mais assustadoras na sociedade atual, embora a sua origem não seja assim tão recente, é um movimento que poderíamos chamar de Contra Educação.
Na verdade, nem mesmo dá mostras de ser um movimento articulado se o examinarmos apenas superficialmente. Na verdade a aparência externa do problema, ou seja aquilo que se pode ver, pode muito bem ser confundido com desinteresse dos alunos quanto aos componentes curriculares e seu encantamento pela alta tecnologia dos dias de hoje.
I-pads, I-podes, I-Phones e seja lá o que mais for, exercem sobre a juventude uma atração ferrenha e desenfreada. As redes sociais, games e outros aplicativos baixados chamam muito mais a atenção do público jovem do que qualquer disciplina em sala de aula.
Mas não podemos atribuir apenas aos avanços tecnológicos a dispersão da atenção dos alunos cada vez em mais tenra idade.
O grande problema em nossa sociedade é que as pessoas perdem tempo precioso combatendo sintomas ao invés da doença. É como se víssemos uma bela árvore com as folhas amareladas e murchas e, ao invés de alimentá-la para que recupere o viço, nos preocupássemos com qual tonalidade de tinta deveríamos usar para pintar as suas folhas de verde.
Já faz um bom tempo que a educação está em queda livre em nosso país.
Décadas atrás o alto índice de repetência preocupou professores e administradores da rede escolar. O Brasil apresentava um dos maiores índices de reprovação entre os países pesquisados.
A solução apresentada pelos governos foi a mais absurda possível. A aprovação automática, onde o aluno não precisa de mérito algum para avançar para a próxima série.
Pintaram as folhas da árvore de verde vibrante, mas a doença permanece lá, o cancro continua se espalhando e se reproduzindo ano após ano e hoje já temos professores frutos dessa política.
Quando lecionei para alunas do magistério, nas décadas de 1980 e 1990, tive alunas que mal sabiam escrever, cursando o último ano do Magistério, preparando-se para, no ano seguinte, lecionarem para nossas crianças.
Informei a Diretora da escola que iria reprovar a aluna por não crê-la em condições de lecionar. Lancei as notas reprovando-a e a diretora exigiu que eu revisse as notas, recusei-me e ela aprovou a aluna via conselho e deu um jeitinho para que eu não lecionasse na sua escola no ano seguinte.
Não sei que fim levaram a aluna e a diretora, mas, por certo ali começou boa parte de meu desencanto com a atividade de educar.
Os anos passaram e mais limitadores à educação foram sendo agregados, tornando a função de professor cada vez mais espinhosa. Não vamos nem falar do salário vergonhoso, isso é assunto para outra ocasião.
Mas, hoje em dia, um aluno problemático, desinteressado, arruaceiro ou coisa pior, tem de ser mantido na escola sem que possa ser expulso, jubilado ou transferido compulsoriamente. Ou seja, não importa se o aluno agredir verbal ou fisicamente ao professor, ele está devidamente protegido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pode continuar a fazer o que bem quiser na escola.
Mas isso também não é o problema real, é apenas mais um sintoma da doença.
É preciso cavar a raiz da árvore para compreender a origem da infecção.
Vamos agora dar um pulinho ao reduto primário dos alunos. O seio familiar.
Atualmente os pais estão por demais ocupados para dar atenção devida ao desempenho escolar dos filhos, até porque eles sabem que ninguém é reprovado, não é mesmo? Portanto, entre trabalho e horas diante da TV ou com o celular na orelha, sobra muito pouco para um relacionamento familiar.
O que o aluno é na escola, reflete o tipo de educação que recebe em casa; A sua atitude na sala de aula é consequência da sua relação familiar, ou da falta dela.
Existem heroicos professores e professoras que conseguem algumas vezes contornar essas dificuldades cada vez mais presentes, no entanto há de se considerar que extrapolam em muito a sua função.
Professores e professores não são “Tios” e “Tias” como se acostumou a chama-los, professores são educadores, estão ali para ensinar, para transmitir conteúdos educacionais. No entanto, acabam por assumir, muitas vezes, o papel de pais e mães dos alunos, o que interfere diretamente na sua produtividade enquanto professor.
A tarefa principal da educação dos filhos cabe aos pais, não importa a classe social de onde eles venham.
Nem podemos esquecer que muitos pais hoje em dia, já são fruto de um sistema educacional que privilegia a falta de compromisso.
Quando a tarefa de educar ou distrair os filhos passa da mão dos pais para a tela do computador ou da televisão, perdem-se os vínculos fundamentais que servem para estabelecer limites e ensinar responsabilidade.
Um computador não abraça, não dá bronca, não corrige tarefas, não dialoga sobre o dia de aula. A TV menos ainda.
Tenho acompanhado algumas tarefas escolares que se resumem a pesquisar e imprimir o material que se encontre pronto na internet.
Ok, alguns vão dizer, mas antigamente também se copiava de livros e enciclopédias, a única diferença é que agora o computador facilita o acesso e cansa menos a mão.
A diferença, porém, é enorme. Ir a uma biblioteca e pesquisar vários livros, depois copiar em folhas de almaço o conteúdo, era bem diferente.
Senão, vejamos: Geralmente se fazia um rascunho na biblioteca para depois passar a limpo em casa e levar à escola. O simples ato de copiar já era por si só, uma maneira de fixar o conteúdo na mente do aluno. Hoje ele se fixa no cabeçote das impressoras?
Os pais ensinavam os filhos a melhorar a apresentação dos trabalhos, usavam-se decalques e outras coisas para demonstrar algum capricho.
Tudo isso se perdeu, a ida à biblioteca abria as portas de um novo mundo, permitia ao aluno ver que outras pessoas estudavam, pesquisavam, permitiam ao aluno olhar curiosamente para outros tantos livros e despertavam aquela curiosidade que levava alguns ao salutar hábito da leitura.
Mas isto também são sintomas de algo muito maior.
Antigamente a rede pública de ensino atendia aos alunos oriundos de famílias mais abastadas e, portanto, o nível de exigência dessas famílias obrigava ao investimento público no setor educacional. Não eram raras as escolas que tinham palcos de teatro, laboratórios de ciência, e algumas tinham até mesmo piscinas, como o “Estadual da Penha” em São Paulo.
Com a entrada dos filhos de operários, de maneira maciça nessas escolas, dois fatores ganharam destaque na área educacional. A proliferação cada vez maior de escolas particulares para evitar que os “bem nascidos” dividissem as carteiras escolares com os filhos de seus empregados e o investimento cada vez menor na área educacional pública.
Por algum tempo o “ginásio” servia de funil para expurgar os filhos dos operários das salas de aula, através do antigo exame de admissão que privilegiava os alunos que obtivessem melhores notas.
Fora isso a própria necessidade do trabalho, como acontece ainda nos dias de hoje, interferia diretamente na quantidade de anos escolares cursados.
Quanto mais pobre mais cedo se ia trabalhar e abandonavam-se os estudos.
Com o achatamento do salário do professorado ao longo dos anos, os melhores professores, ou grande parte deles acabou migrando para as escolas particulares em busca de sua subsistência.
Os que permaneceram no ensino público tiveram de sujeitar-se a dobrar a jornada, lecionando no estado e no município em busca de sobreviver.
Claro que com isso só quem perdeu foram os alunos e professores.
Os antes alunos da rede pública, de famílias mais tradicionais ou abastadas, tiveram a opção das escolas particulares, que hoje custam tanto ou mais que uma universidade. Com isso criou-se outra realidade, tão ou mais grotesca que a queda de qualidade nos ensinos básico e médio.
Como as escolas particulares investem dinheiro do bolso dos empresários que as constroem e mantém, são feitas para gerar lucro e assim sendo, criam atrativos e dispositivos de ensino que as tornam mais efetivas na formação do aluno e no seu preparo para os vestibulares.
Por isso as universidades públicas raramente eram frequentadas justamente por quem não podia pagar uma faculdade particular. Afinal, o conteúdo exigido nos vestibulares estava bem além do que se consegue ensinar na escola pública.
O quadro evolutivo (ou será involutivo ?) da educação foi assim saltando grau de ensino em grau de ensino, resguardando sempre um nicho onde se pudesse estabelecer a diferença entre as classes sociais.
Hoje, no que diz respeito ao ensino superior, o quadro sofreu alguma mudança através de programas governamentais, no entanto, ainda assim, a educação de ensino básico e médio continua seguindo o planejamento de ensinar cada vez menos, de estabelecer uma Contra Educação para aqueles que mais necessitam dela para modificar a sua realidade de vida.
Perpetuar a diferença de oportunidades é a melhor maneira de manipular populações inteiras. Enquanto os alunos saem das escolas particulares falando mais uma ou duas línguas, os alunos da rede pública saem sem sequer saber se expressar em português e interpretar um texto.
O problema não é partidário, é político, a causa da degradação continuada do ensino público está muito além dos muros de escola ou das paredes das casas, está nos interesses de quem prefere manter o povo na ignorância.
Nenhum outro raciocínio é capaz de explicar como um ensino público que antes servia, e muito bem, à clientela mais elitizada, tenha se transformado na sucata educacional que permeia todas as escolas públicas deste país.