DIA DE ROQUE

DIA DE ROQUE

26/03/12

Ontem me lembrei da década de 70. Época de extrema repressão como até hoje perpetrada por “seres” sem qualificação, competência e capacidade para governar e principalmente julgar, mas que para mim e para muitos foi de extrema valia, pois nos proporcionou o desenvolvimento da criatividade.

Nesta época víamos sombras de capacetes a cada metro que caminhávamos na estrada da vida, quer quando exercíamos nossa condição na política estudantil, ou em nossas introduções ou intromissões literárias. Vivemos e convivemos com as ameaças e por isso aprendemos a não ter medo da vida.

A ausência do medo da vida nos fez temer a morte. A vida para nós é muito intensa e cheia de responsabilidades com um futuro melhor. Melhor para todos, pois só assim seria melhor para nós. E por isso fomos e somos incompreendidos por aqueles que mais estavam carnalmente próximos.

Nossa geração ama intensamente de uma forma muito própria, sem tempo para superficialidades e pormenores de afagos por gestos e palavras. Somos uma geração que criou seus caminhos sob trincheiras e que para tal o abaixar a cabeça não era gesto de humildade, mas simplesmente uma forma de preservar a integridade.

Nossos filhos ausentes nos trazem a oportunidade do “amor platônico”, talvez a forma mais profunda de amar.

Somos pessoas de poucos muito amigos. Não poucos quantitativamente falando, mas poucos qualitativamente falando, amigos raros.

Ontem ao ir visitar um desses amigos-irmãos vítima do tamanho de seu coração provavelmente atingido por Platão, após eu ter passado por dissabores hereditários, fui atacado de forma violenta física e mental por uma notícia que nos faz tremer e nos lembrar da nossa condição de humanos e baixarmos todas as nossas guardas, a perda de um companheiro.

A primeira reação que tive foi de incredulidade e da tamanha crueldade Divina em nos desprover de companhia tão significativa e cara. Exemplo não exemplar de aparente despreocupar, (suas guardas ou trincheiras).

Liguei para meus próximos muito mais para buscar apoio do chão que faltava, do que para cumprir uma obrigação social. Ainda sob tais circunstancias extremas agi racionalmente nesta escolha procurando aqueles que, a meu ver, teriam mais condições de me manter integro.

Dirigi-me acompanhado por laços sanguíneos e espirituais ao local onde poderia fisicamente comprovar a notícia que recusava acreditar, já que não obtinha contato com quem seguramente poderia comprovar a efetiva e real razão das lágrimas que derramava de um coração macerado por similaridades.

Com a gentileza paquidérmica que me acomete em situações extremas, me dirigi educadamente, ao atendente do estabelecimento, ou do re-estabelecimento de saúde onde supostamente jazia o corpo do meu irmão. Ao solicitar notícias sobre o recém integrante da mansão eterna, após infindáveis instantes de consultas a andares superiores, me diz o funcionário: O Sr. está falando sobre Rubens da Gama Ferreira, filho de Da. Matilde,? A informação que tenho é que está deitado e lendo, complementou tal informação dizendo que a possibilidade de visita só se daria daqui a 90 minutos, se é que me lembro.

Novamente com a mesma gentileza que usei anteriormente, solicitei que conseguisse uma autorização oficial para minha eminente subida ao leito do “defunto”. Mais intermináveis 30 segundos e estava de posse do crachá “cientificador” da vida ou da morte.

Após percorrer longos corredores e dois conjuntos de leitos de CTI, fui informado que o CTI que procurava estava atrás de uma porta azul ao lado dos elevadores, me foi impossível não correlacionar com a entrada do paraíso.

Porta fechada, com um interfone para comunicação de liberação de entrada, onde o contato oral e não visual me fez explicar que estava autorizado a visitar o morto que não morreu. Aproveitando a entrada de um Office-boy ultrapassei a porta azul que se abria e me dirigi a interlocutora do interfone a quem sem mais pormenores perguntei onde ficava o leito 318, excesso de detalhes , são superficialidades tais e quais gestos e afagos que só servem para uma perda de precioso tempo.

Ao chegar ao leito fui recebido com a seguinte interrogação, “e aí meu primo, então me mataram?” Pela 1ª. vez falei e chorei ao lado de um morto vivo e tive prova inconteste da imensidão divina nos seus desígnios re-encarnatórios e que me fará possível cumprir promessas de infindáveis “cervejadas” e convivência próxima.

A partir de então passo a lembrar deste dia como o meu dia de Roque Santeiro, “ a novela que foi sem nunca ter sido” e que para mim foi dia do “morto que nunca morreu”, e só para finalizar o que nunca morre é eterno.

Geraldo Cerqueira