O pão da mãe

Tenho certeza de que não vão acreditar. Dirão que é lorota. Mas aconteceu. Assim, de repente, sem prévio aviso. Vinha eu pela rua, como todos os dias, pelo caminho de sempre, quando me entrou forte pelas narinas um cheiro de pão recém-saído do forno. “Grande coisa“, dirá a meia dúzia dos gentis leitores que me procura neste espaço. “Vai me dizer que, no seu trajeto, você não passa diante de alguma padaria?”. Talvez eu não me tenha explicado direito. Já faz muitos anos que percorro as mesmas avenidas e ruas. Conheço todos os seus cheiros. Sei identificá-los um a um. Não estou falando de nenhum desses. Refiro-me a outro, absolutamente único. Eu não ia fazer confusão logo com esse. Há uns bons vinte anos deixei de senti-lo. Desde quando as condições de saúde da mãe pioraram e lhe impediram o exercício de uma tarefa que ela executava com tanto gosto. E como ninguém. Não poder mais amassar seu pão foi para ela uma dolorosa prova. E para nós, uma perda irreparável.

Perdoem-me os que acreditam conhecer o sabor do pão feito em casa. Não imaginam até onde pode chegar esse sabor. Quem não provou o pão da minha mãe nunca saberá o genuíno gosto do pão caseiro. Foi desse, do pão da mãe, que senti o cheiro, quando vinha pela rua. Pena que tenha sido uma sensação fugaz. Durou um instante e sumiu. Mas não há possibilidade de engano. Pão nenhum teve esse aroma. Nem igual sabor.

A mãe era mulher de mui parco saber, de conhecimento quase nenhum. Analfabeta, criada na roça, num tempo em que mulher não precisava saber ler nem escrever. Montou com sacrifício o acervo de suas práticas e conhecimentos da vida do campo. Fez-se especialista no que denominavam prendas domésticas. Foi daquelas de nunca aceitarem nada menos do que o melhor. Repassou-nos a mesma preocupação. Ela viveu em outra época. Não se ajustaria a este mundo nosso de mediocridade e aparência. Hoje, seria uma pessoa chata, incômoda.

Foi mestra no comando do fogão e do forno, praia das mulheres do seu tempo. Era onde todas tinham o dever de brilhar. Sem direito a reconhecimento nem aplauso. Não sei como, em três artigos ela atingiu rara habilidade. No manjar branco com calda de coco, no pudim de leite com queijo ralado e, mais que tudo, no pão feito em casa arrisco-me a dizer que ela chegou próximo da perfeição. Em todo o lugar para onde mudávamos – pobre muda mais que formiga correição – o pai se dedicava, com grande competência, a construir um forno. Porque sem um forno adequado no quintal, ninguém faz pão que preste. E o da mãe merecia o melhor forno que ele soubesse construir. Tanto apreciava a maestria de sua mulher que, na véspera da morte, no leito do hospital, ele me pediu: “Me traz um pedaço do pão da tua mãe”. Levei-lhe duas generosas fatias com mortadela. Pelo menos com esse desejo ele não morreu.

Mas por que estou, feito velho surdo, falando sozinho de um passado que quase ninguém conheceu? É que o comércio não cansa de divulgar o Dia das Mães. O que me traz profunda estranheza. Será que estamos tratando da mesma pessoa? Mãe lembra gratuidade. Comércio evoca lucro. Ao comércio pouco importa a mãe. Interessa a venda do presente.

Houve tempo em que mãe não contava com ganhar presente. Outros valores ocupavam seu coração e atendiam seus anseios. Como a vida, dom fundamental, nutrido no pão partilhado. Para amassá-lo, com a farinha ela misturava trabalho, pobreza, cansaço e entrega de si. E colhia o sorriso repartido num reino chamado família. Não existia um Dia das Mães. Mas a mãe estava presente nos dias do ano inteiro.

Padre Orivaldo Robles
Enviado por Padre Orivaldo Robles em 16/05/2012
Reeditado em 09/06/2012
Código do texto: T3670696