Guerrilha do Araguaia

Sou do tempo da ditadura militar. Confesso que cheguei a levar alguns corretivos em 1968, na Praça 21 de Abril, paço onde pulsava o coração de Brasília. Aquele período ficou gravado em minha memória como uma página negra, nefasta e nojenta. Porém, o que mais me angustia não é o fato de ter sido açoitado bravamente por soldados despreparados e rudes, mas sim, as mentiras que fazem parte dos anais da história. Balelas que nos contam para esconder, a qualquer custo, verdades irrefutáveis.

De 1972 a 1974, na divisa dos Estados do Pará, Maranhão e o Tocantins, mais precisamente na região denominada, Bico do Papagaio, aconteceu a “Guerrilha do Araguaia”. Lá, pessoas de diversas regiões do país lutaram pelo Brasil da igualdade, da liberdade de expressão, do direito à vida. É verdade que o combate foi desigual, doze mil soldados armados de metralhadoras, fuzis e aviões, embrenharam pelas matas à caça de um grupo de 69 cidadãos que tinham, em suas mentes os mesmos ideais políticos.

Um dia desses tive a oportunidade de conhecer mais de perto parte dessa história contada por sobreviventes da cidade de Xambioá -TO, onde ainda é possível encontrar alguns daqueles que fizeram e fazem parte da história.

Do que pude deduzir, não houve guerrilha, mas, sim, um “massacre”. Centenas de moradores e mais 59 idealistas, foram torturados e mortos, sob a pecha de que era preciso eliminar os comunistas do território nacional, aqueles que comiam “criancinhas”.

O estigma da brutalidade ficou gravado na memória dos moradores através de uma cena, no mínimo, absurda. Depois de assassinarem o líder Osvaldão (um cidadão que diziam ser invencível), seu corpo foi exposto a céu aberto por um helicóptero do exército por todo o espaço aéreo das cidades envolvidas no conflito. Seus restos mortais foram exibidos como um troféu. Dizem os moradores que o corpo, que era de um gigante, de tão pesado chegou a cair do helicóptero.

Para mim ficou evidente que a população apoiou efetivamente a “Guerrilha”, isso só foi possível devido ao relacionamento amigável entre “guerrilheiros” e moradores. A pobreza e o isolamento físico da região, contribuíram para que essa aproximação se desse com facilidade. Boa parte dos “guerrilheiros” dispunha de conhecimentos na área de medicina e agricultura. Assim, a população passou a ser atendida, mesmo que de forma precária por um médico e uma enfermeira.

A Guerrilha do Araguaia é, hoje, um marco importante da nossa história. Foi um dos principais episódios contra a ditadura militar no Brasil. Deixou claro que as Forças Armadas eram mal preparadas. Essa vergonha nacional inibe o exército de abrir seus arquivos para o conhecimento da população. O mito da guerrilha tem que ser desnudado. O mundo globalizado em que vivemos, mais cedo ou mais tarde, fará com que a verdade apareça.

Parte da população de Xambioá me pareceu acuada. Poucos relataram o ocorrido. Uma semana não foi suficiente para que eu encontrasse muitas pistas, mas centenas ou milhares de soldados que lá estiveram, estão camuflados entre nós, estes podem e devem narrar o que fizeram e viram. É preciso que venham a público nos contar suas verdades. Só assim, acredito que os moradores da região perderão o medo de falar o que sofreram. Mais de trinta anos se passaram e, pelo que pude ver, pouca coisa mudou por lá. A lei do silêncio ainda não foi revogada para a população. Os mortos precisam ser enterrados para que os vivos se libertem do estigma da barbárie.

Para mim resta uma pergunta: onde andam nossos genuínos políticos que participaram desse evento? Militarem que preferem dizer que os heróis são os que morreram. Isso é muito pouco para os que querem saber a verdade, para os que tiveram seus entes torturados, humilhados, enterrados Deus sabe aonde.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 02/02/2007
Reeditado em 27/09/2017
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