DDD - Diário de Derrotas [31]
07h40m
Troquei a música do despertador e acordei meio confuso, um pouco ainda bêbado, mas sem saber se de sono ou das long necks que mamei ontem à noite pra ver se me dava sono ou inspiração pra escrever. Não deu nenhum dos dois.
08h00m
Parei agora com as sonecas. Hoje é um daqueles dias que saio de casa e vou direto ao Banco levar documentos. Portanto, durmo até - meia hora - mais tarde. Tá frio pra caralho e as gatas já estão no meu encalço, miando enlouquecidamente atrás de um pedaço de qualquer coisa. Vou de Neston com leite e açúcar pra ver solta o intestino. Vou mastigando e pensando nessas pessoas que escrevem sobre cagar com a maior naturalidade do mundo - e em primeira pessoa. Não consigo entendê-las...
08h20m
Uma das duas cagou no box do banheiro que costumo tomar banho. Me dirijo ao outro, que o chuveiro esquenta menos e solta mais fumaça; fumaça esta que ataca minha alergia, sabe lá Deus por quê. Todo mundo já acordou aqui em casa: minha mãe, que irá trabalhar logo menos e os dois pilantras. Tá todo mundo sentado na sala assistindo desenho. Encaro a água que não esquenta, sem ter conseguido fazer um cocôzinho.
08h45m
Sigo subindo a rua, agradecendo a graça do tempo cinzento e ventoso e ouvindo a mesma música da Skye de sempre desde que a "descobri". Subo a rua pensando em sexo oral.
09h10m
Estou no trem, lendo, e está chovendo lá fora. E eu não tenho guarda-chuva. E eu tenho que descer no Tatuapé e pegar um ônibus. Antigamente que era uma maravilha: o Banco disponibiliza vans para levar seus ilustres funcionários até seu Centro Administrativo, e era tranqüilo de entrar lá e se passar por um deles. Agora, colocaram uma catraca que é liberada com o próprio crachá.
09h18m
Estou descendo a escada fixa e o ônibus está parado. Termino a escada e o motorista e o cobrador entram nele simultaneamente. Tem essa mulher da bunda linda indo até lá lentamente. Sei que ela embarcará nele porque já o pegamos juntos na semana passada. Não nele, neste, mas no outro, já que com esse passo... Fico absorto naquele segundo de ponderação entre deixar o ônibus que está para sair ir sem mim ou me deleitar no voyeurismo por mais alguns minutos.
Corro, subo o degrau e o motorista fecha a porta às minhas costas e me olha torto.
Passo a catraca.
09h22m
Chove. Chove alagadouramente. E eu não tenho guarda-chuva. E o ponto de ônibus fica há 5 minutos de caminhada até o Banco.
09h30m
Desço do ônibus pulando uma poça enorme e por pouco não dou com a cara num poste. É uma calçada larga de um comércio que está fechado. Corro até a parte coberta que fica diante das portas de metal. Tem duas mulheres aqui. Estou todo molhado. Elas falam, falam, falam. Daqui de onde estou consigo ver o prédio de apartamentos de luxo que fica no mesmo terreno do lugar que tenho que ir. E ele está bem longe. E elas não param de falar...
09h35m
Estou no mesmo lugar. Há uma pomba num canteiro se protegendo da chuva. Ela está desconfiada. Eu vou indo na direção dela passo por passo, bem devagar. Eu só quero tirar uma foto, mas ela está sendo bem coerente em esperar o pior possível de um ser humano. Chego num ponto que dou um passo, e ela dá dois. Um passo meu, dois dela. Agacho. Ela volta ao lugar que estava, parecendo tímida, dando umas bicadas nas pedras e nuns seixos. Lembro que tenho Club Social na mochila. Abro a mochila. Rasgo a embalagem da bolacha. Tiro um quadradinho, esmigalho na mão e, quando estico o braço para depositar os farelos, a pomba voa.
As duas mulheres me olham. Quietas.
09h40m
O caralho dessa chuva não fica ameno nunca! Eu tenho duas opções: andar até lá debaixo dela ou pegar um ônibus e descer no próximo ponto - que é o do Hospital do Tatuapé - e, lá, atravessar a rua e pegar um outro que vai em direção ao Metrô Tatuapé e que passa na frente da entrada principal do lugar que tenho que ir, cuja entrada que utilizo é uma que fica na rua lateral, que é uma boa caminhada sem cobertura alguma. Essa empreitada também significa gastar uma passagem a mais.
Bosta.
09h50m
Entrei num ônibus e só foi o tempo de chegar até a porta traseira e descer. E desci na frente de uma lojinha que tem pelo menos uma dúzia de guarda-chuvas à venda logo na entrada. A dona do lugar, que estava varrendo a calçada, vem simpática e para ao meu lado.
- Bom dia!
- Bom dia!
Olho pra trás, pra rua. Olho pro céu.
- Quanto tá esse guarda-chuva?
- Doze reais, filho!
Novamente, olho pro céu.
- Vou levar.
Passo o cartão com aquela dor na alma de sempre.
10h10m
Entreguei os documentos e agora estou na padoca que fica em frente ao lugar, trinchando um pão na chapa, bebericando pingado e vendo um pessoal todo compenetrado num programa de certo canal de televisão, todos prestando atenção ao que uma quarentona com a cara toda repuxada faz com uma brocha cheia de pó na cara de uma outra coroa mequetrefe. Parece que o papo é sobre maquiagem. Volto a atenção ao meu café-da-manhã e fico pensando no traseiro da moça da expedição do Banco...
Do lado de fora, a chuva cessou.
10h20m
Outro ônibus.
10h40m
Eu estava entretido observando uma coisinha de legging que via ao longe quando ele veio gingando na minha direção.
- E aí rapaaaaaaaaaz!
- Ô, caralho! E aí?
Grande camarada! Botamos a conversa atrasada em meses em dia em cinco minutos: faculdade, faculdade, trabalho, cerveja, videogame e mulheres.
- Bom te ver hein rapaaaaz!
- E que o diga rapaaaaz!
10h50m
Metrô. Linha Vermelha. Sentido Barra Funda. Tornou-se inevitável, pra mim, não lembrar do vídeo dos suicídios cometidos nessa linha. Eu sempre fico esperando alguém pular quando estou por aqui...
11h15m
Chego à Paulista sem muitos incidentes.
11h20m
Deixo o computador ligando enquanto lavo as mãos. Volto, faço o login, abro o e-mail e não há muita coisa para se fazer além do que eu deixei pendente da sexta-feira. Ótimo!
11h30m
Puxo os extratos e percebo que também não há muito que fazer com eles.
Hoje o dia vai ser longo.
11h50m
Eu estava queimando os miolos pra localizar um valor creditado em uma das contas quando fomos todos convocados à sala de reunião. Terminei o que estava fazendo, botei uma bala na boca, tomei um copo d'água e subi as escadas, me preparando pro pior.
12h05m
A novidade é que agora o funcionário tem direito a uma folga no dia ou na semana do próprio aniversário. Só chamaram todo mundo para dar a notícia.
Ainda não estou acreditando - principalmente depois da quantidade de porradas na cara que levei semana passada.
Claro, todas por minha culpa. Eu, que pretendia pedir um aumento por causa das novas muitas atividades-responsabilidades que viria a ter, cometi umas gafes com valores exorbitantes e simplesmente perdi qualquer moral pra ganhar um centavo a mais.
Claro, eu tive todo o longo do semestre pra fazer cagada, mas teve de calhar de ser na mesma época.
13h30m
Eu estava chamando o elevador quando a porta foi aberta e me perguntaram aonde eu iria almoçar. Respondi.
- Ah, não, lá é muito caro! Vai lá, vai lá.
Entrei no elevador, sorrindo.
Eu almoçaria no lugar que todo mundo gosta e é acessível. Mas mentir um pouco se faz necessário pra ter um pouco de solidão.
13h35m
Acabei vindo no lugar caro, mesmo. Estava muito a fim de debulhar um strogonoff, que é o prato do dia e, diga-se de passagem, a única coisa que cabe no bolso nesse lugarzinho metido a besta. O garçom veio:
- Prato do dia?
- Aham.
- Guarnição de feijão?
- Aham.
- Coca?
- Aham.
- Gelo e limão.
- Aham.
Fiquei imaginando aqueles pedacinhos de champignon, aquela batata frita com o molho...
13h40m
O prato do dia é bife à parmegiana.
14h15m
Caminho contra a ventania gelada, de barriga cheia, me sentindo bem demais. Entro no prédio. Passo a catraca. Procuro o gato. Nada. Sento numa cadeira e fico vendo os policiais tomando cafezinho e dando risada com a rapaziada da portaria e com as faxineiras. Eles fecham a porta quando me vêem. Sinto frio. E frio pra mim é frio pra caralho pros outros. Acho pouco.
14h23m
Estou no elevador, não muito contente. Eu estava com a cabeça recostada na parede, ouvindo "Every You, Every Me" quando chegaram duas piranhas, sentaram num degrau que fica ao lado da cadeira que eu estava e acenderam seus malditos cigarros. As filhas da puta!
14h50m
- Queria te parabenizar, morena.
- Oxi. Por quê?
- Estás muito formosa hoje!
Ela fica sem graça.
- Bobo! Obrigada.
- Eu é que agradeço - E entorto o pescoço.
- Sai daqui! - E um tapa.
15h30m
Caralho. Eu estava exercendo minha nova atividade quando minha atenção foi chamada sobre umas divergências de valores entre notas fiscais e o extrato da conta. Peguei as notas e o extrato. Do dia onze, sexta. Eu tinha esquecido de escrever nas notas que elas haviam sido liquidadas com o maldito destaque dos tributos, e não com o valor bruto. Vinte notas. O que eu tive que fazer foi tirar as vinte cópias da caixa de Notas do Mês e as outras vinte, da caixa de Tributos. E escrever em uma por uma por quanto elas foram liquidadas. Jogar as 60 folhas fora. E tirar três cópias de cada uma. Novamente. Novamente me sentir um ser odioso por tanto desperdício de papel...
19h00m
Ligo pro arrombado do meu amigo mais antigo (se é que posso usar tal termo). Havíamos combinado de re-re-re-recomeçar na academia. Ele atendeu.
- E aí, arrombado?
- Fala, arrombado.
- Colar mesmo?
- Vish! Preguiça...
- E aí!?
- Demorô. Onde?
- Na de sempre.
- Beleza, que hora você chega lá?
Consultei o relógio.
- Acho que umas oito e quarenta.
- Firmeza. Sete e quarenta tô lá.
- E vai me esperar pra treinar?
- Você não falou sete e quarenta?
- Oito, caralho. Com sorte...
- Iiii
- Iiii digo eu!
19h13m
Saio. Chove. Caminho até o banco. Faço um saque. Nem me arrisco a olhar meu saldo. Entro na estação. Entro no Metrô. E assim vou indo: de Metrô em Metrô até o Trem.
20h40m
Redijo a mensagem com uma dificuldade tremenda. Estou na lotação maldita, segurando mochila e guarda-chuva e me segurando e redigindo a seguinte mensagem: "Mano, vai indo lá. Ainda tô na merda da lotação...".
21h00m
Abro a porta de casa e a primeira coisa que vejo é um moleque alto e feio pra caralho. Que fala alto. Que não cala a boca. Que toda vez que está aqui me faz tremer de ódio. Meu humor, até então testado desde o minuto que botei o cu pra fora de casa, doze horas e meia atrás, vai definhando de maneira rápida. Essa história nunca muda. Algumas histórias parecem que só mudam com alguma tragédia. E essa parece ser uma história que precisa de uma. Ralar, ralar, ralar. Chegar em casa e ter desaforo. E o pior de tudo é perder até a vontade de comprar briga, por saber que se uma for iniciada, terminará em sangue. E o pior do pior de tudo é não encontrar um lugar que caiba no meu orçamento. E o pior do pior do pior de tudo é constatar que a culpa disso tudo é interinamente minha.
21h30m
Consigo cagar, depois de comer um pouco de ração das gatas.
14/05/2012
Pomegranates - Jerusalem Had a Bad Day