Bate boca

Quer saber? Você me odeia. Por Deus, como posso odiar alguém tão inesperto. Inesperto, eu? Lembra-se daquela amiga do Onofre, teu irmão? Está se referindo a Margaret? Sim, estou. Você andou caidinho por ela. Claro que sim. A frentista de seios grandes que dava descontos nos combustíveis. Pois devia ter se casado com ela. Assim poderia obter descontos na gasolina. Ora, Joana, isso foi no tempo em que o Simon se separou do Garfunkel, vá dormir.

Estou careca de saber que você me trai com o dentista. O que ele tem que eu não tenho? Ora, Pederneiras... Quer saber o que ele tem que você não tem? Dentes. Já o Arnaldo possuiu a dentição completa, gosta de sushi e é muito romântico. Como um cara que aplica anestesia, extrai dentes pode ser romântico? Católico sim, pode ser, mas romântico? Estou para ver. Ele é surdo musicalmente. Gosta de sushi e Luan Santana. Eu pelo menos gosto de feijoada e Carlos Santana.

Você não vale o que come. Pelo menos pago a minha comida. Você mora de favor na casa de mamãe, jamais esqueça. Nunca pensei que ela fosse viver tanto. Mal agradecido. Ela rouba no supermercado. Está chamando mamãe de ladra? Estou. Tenho provas concretas. Vá até a fruteira da cozinha. Veja com seus próprios olhos estrábicos. Ela afanou um quilo de banana do português da quitanda. Afanou nada. Saiu sem pagar, é diferente. Está caquética. Regrediu naturalmente até a fase de coleta. Já leu Freud, ignorante. Noventa e nove anos não é a melhor desculpa para sair sem pagar. Se fosse sua mãe seria a melhor das desculpas.

Madrugada. Batidas no teto. O azedume verbal continua entre o casal.

Por que não para de ouvir “Guajira” e vai dormir na sala? Nunca. Tenho paixão de incomodar os vizinhos. Vá você dormir, cabra epilética insone. Eu? Cabra epilética insone... É. Você mesma. Quando você goza treme os olhos e estica as unhas dos pés. Ah... Com o Oscar é diferente. Toma. O quê? Você dormiu com o Oscar? Ele é gay. (Rindo desvirtuado). O apelido dele na cidade é “carinito”. A turma do bairro sabe que ele é homossexual, pinta as unhas dos pés de laranja. Mentira. Tenho certeza de que não é gay. Não é não. Pode ser bissexual. Gay somente não é. Vadia. Ordinário.

Sou ordinário e daí? Quer um cigarro? Odeio cigarros convencionais, você sabe. Quer me irritar com esse fumo nocivo? Prefiro erva Marley. Vou para a varanda fumar um Marley. Sozinha. Sozinha? Maldita.

Sai.

A porta da varanda se fecha e toca “Dream a little dream of me” na voz de Louis Armstrong.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 14/05/2012
Reeditado em 04/10/2021
Código do texto: T3667717
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