Ao mestre, com carinho
Devo confessar, com alguma vergonha e um “que” de orgulho, que nos idos do meu tempo de escola eu era o tipo de aluno que nenhum professor quer ter. Em minha defesa digo que meus professores eram do tipo que nenhum aluno queria ter também, especialmente se esse aluno fosse eu. Lembro-me de ter tido professores dos mais variados e exóticos tipos, alguns com tamanha frequência que cheguei a criar algumas categorias de classificação como, por exemplo, a das “professoras entediadas que não vêem a hora de se aposentar”.
É muito engraçado relembrar o “entusiasta de religião oriental” que proferia um mantra ao início de cada aula. Ainda consigo recitá-lo de cor, mas não relatarei aqui para não ofender possíveis leitores simpáticos à essa obscura seita. É claro que o mantra em japonês oferecia as mais diversas oportunidades de rimas para incontáveis poesias onde canalizávamos nossa energia criativa em versos impublicáveis. Havia também uma categoria para “professores(as) de sexualidade mal resolvida” que inevitavelmente gerava mestres desbalanceados, ora excessivamente severos, ora muito liberais com a disciplina. Como sempre, ambos os casos eram vistos como oportunidades criativas para apelidos e perguntas supostamente inocentes.
Pensando bem, nenhum desses era digno de serem chamados de “mestres”. Eram professores, funcionários públicos esmagados pela realidade do ensino no país, confrontados com alunos que tinham toneladas de problemas maiores do que provas e notas. Mestre mesmo, contando o primeiro e o segundo grau, me lembro de apenas dois. Esses sim, heróis da resistência, do tipo que sempre faziam algo mais do que estava na ementa.
Há poucos anos, fui a um evento do dia dos pais na escola dos meus filhos. No meio da festa, o dono da escola foi se pronunciar e qual não foi minha surpresa ao reconhecer aquele senhor negro, de cabelos brancos, como meu tão estimado antigo professor de matemática, que fazia a mágica de despertar em nós a paixão pela árida matéria. Pude lembrar nitidamente da sensação de ser atingido por um giz certeiro, quando estava distraído ou conversando. Lembrei de seus castigos lúdicos, por assim dizer, como quando obrigou um dos bad boys da turma a ficar 10 minutos abraçado com a lixeira, ou outro mais afoito, denunciado por passar a mão nos cabelos de uma das meninas, que foi obrigado a ficar passando a mão no quadro negro. Bons tempos...
Na primeira oportunidade fui ao seu encontro, emocionado. Me apresentei como o aluno tal e tal, da escola tal. Expressei minha admiração por ele e até ensaiei um agradecimento por ter sido tão grande mestre.
- É... eu não lembro de você. Tive mais de 5.000 alunos na minha vida profissional. Dá licença, tenho que ir ali resolver um problema - respondeu ele, friamente, e saiu.
Fiquei ali, parado, sem saber bem o que fazer. Pensei em pedir para ele me acertar com um giz, mas não deu tempo. Ainda assim, foi bom toda essa frieza e distanciamento. Vai que hoje, com meu olhar de adulto, eu descobrisse defeitos nessa figura mítica. Além disso, senti-me ligeiramente ofendido, um tanto aborrecido, com raiva do professor, como nos bons e velhos tempos de escola.