Coisas do Futebol

Para mim é muito agradável escrever sobre o futebol. Todos aqueles que viram, ouviram e leram a respeito do futebol de ontem, poderiam passar para o papel os fatos e coisas que ficarão perdidas para sempre no tempo.

Se pessoas como eu, que escrevo por gostar do futebol, mas do bom futebol, que vai aos poucos perdendo aquele brilho de antes, deixarem de fazê-lo, muitas lembranças irão ficar perdidas para sempre.

A quem devemos culpar por esse esquecimento do futebol bem jogado? A crônica esportiva que transforma alguns jogadores em craques logo que começam a dar os primeiros passos na carreira? Devemos censurar as escolinhas, que já pegam os garotos ali pelos 10 ou 12 anos, que já vem com o material completo, ou frear os sonhos de pais que veem em seus filhos futuros Pelés, Maradonas, Messis ou Neymares?

Entretanto, as diferenças são grandes entre os craques de hoje e os jogadores do passado. Digo passado porque a crônica esportiva do Brasil de hoje não viu o futebol de ontem. E quando algum cronista fala do bom futebol, que não mais existe, é taxado de saudosista, superado, ou velho. Porém eu me atrevo a escrever sobre coisas que eu vi, ouvi e li.

Certa vez, nas memórias de Geraldo Bretas, antigo comentarista esportivo da rádio Tupi de São Paulo, e depois da TV Tupi, li um episódio curioso. O Bretas que era um crítico honesto, muito severo, criticou o São Paulo F. C., em 1942, por ter comprado o passe de Leônidas da Silva junto ao C. R. Flamengo, por 200 contos de réis.

Dinheiro suficiente para comprar umas 15 casas em São Paulo. Bretas dizia que Leônidas era um grande jogador, mas como homem valia muito pouco, pois no Rio de Janeiro ele não saia das boates e dos cassinos. Leônidas leu as criticas de Bretas e disse aos seus companheiros do São Paulo F.C.:

”No primeiro jogo no Pacaembu eu irei até a cabina da Rádio Tupi e vou mostrar a esse Bretas com quem ele está lidando”.

Só que Leônidas não conhecia o comentarista e seus companheiros de clube, que já o conheciam, o incentivaram a ir falar com o tal Bretas.

Antes de começar a partida, ainda jogavam a preliminar, lá foi Leônidas da Silva até a cabine da rádio Tupi, cheio de si. Perguntou:

“Quem é o Geraldo Bretas? “

Ai levantou o Geraldo Bretas, que tinha cerca de 1,90 metros e era muito encorpado (diziam que havia sido lutador de boxe em Goiás, seu Estado natal). Leônidas vendo o tamanho do homem perdeu a valentia e disse:

“Senhor Bretas, peço que vossa senhoria me dê um tempo aqui no São Paulo F. C., pois não irei decepcioná-lo.”

Assim, Leônidas, que pretendia “quebrar a cara” do Bretas acabou se tornando seu amigo. Geraldo Bretas fazia dupla com Aurélio Campos, locutor que não tinha papas na língua, honesto, imparcial, inteligente. Formavam uma grande dupla esportiva que quando parou deixou muita saudade.

Mais episódios do grande futebol de ouro. Ai por volta de 1945 jogavam em Buenos Aires, as Seleções da Argentina e do Paraguai. Os portenhos muito superiores aos paraguaios. Na seleção Argentina a sua linha média era formada por Iácono, Néstor Rossi e Pescia. Todos jogadores clássicos, que dificilmente apelavam para uma jogada mais dura. No Paraguai atuava o ponta esquerda Villalba, muito veloz e driblador, que quando pegava a bola ia para cima de seu marcador para nele aplicar vários dribles.

Em dado momento da partida, Villalba partiu para cima de Iácono e lhe aplicou uma série de fintas e disse:

“Yo tengo sangre de índio”.

Na próxima jogada ele partiu para cima do médio argentino que lhe aplicou uma rasteira, jogando o paraguaio uns 6 metros longe, sem porém machucá-lo.

Iácono foi até o ponta paraguaio Villalba e lhe disse:

“Yo tengo sangre de Italiano”.

Em outro episódio do passado, o goleiro Jurandir, que havia sido revelado pelo Palestra Itália, que foi goleiro do Palestra, da Seleção Brasileira, sempre muito seguro, e que formou entre os grandes goleiros do Palestra, na década de 1930, um dia foi jogar em Buenos Aires pelo Ferro Carril Oeste, da primeira divisão do futebol argentino.

Jurandir foi morar na pensão de Dona Rosa, onde também moravam vários jogadores do Boca Juniors. Dona Rosa era a maior torcedora do Boca.

Num dia em que haveria o confronto entre o Ferro Carril Oeste e o C. A. Boca Juniors, na hora do almoço os jogadores do Boca ficaram brincando com Jurandir, dizendo-lhe que iria buscar a bola no fundo das redes muitas vezes, naquela tarde. E Dona Rosa acrescentava que tinha dó dele mas que não poderia fazer nada. O Boca Precisava da vitória.

Ao final da partida o resultado mostrava Boca Juniors 0 x 0 Ferro Carril Oeste. Jurandir havia pegado tudo. Foi considerado o melhor jogador em campo.

Depois das comemorações com seus colegas de Ferro Carril, já tarde da noite Jurandir voltou para a pensão de Dona Rosa. Ao entrar no seu quarto viu em cima da cama um maço de cravos e rosas e um bilhete de Dona Rosa. O bilhete dizia assim:

“Estou triste pelo resultado do jogo, mas fico muito feliz por que na minha casa mora o melhor goleiro do mundo”.

Laércio
Enviado por Laércio em 13/05/2012
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