Ruim é o céu
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não.
Patativa do Assaré
1. Não chove no sertão do nordeste. A seca está declarada. Minha irmã, que mora no Ceará, me disse há pouco pelo telefone: "Olha, mano, por aqui, não cai uma gota d´água!"
2. Logo, eu imaginei o sertão castigado pela seca feroz, como o descreveu Gustavo Barroso, no seu formidável "Terra de Sol".
Disse Barroso: "A natureza compungida tem o desolado aspecto da desgraça e se recolhe no grande silêncio do sertão combusto..."
3. É isso aí. Deus, mais uma vez, se esqueceu dos nordestinos! E eu pergunto: que mal eles fizeram ao Criador? Qui judiação!
Luiz Gonzaga cantou, do cearense Humberto Teixeira: "Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu perguntei a Deus do céu, ai/ Por que tamanha judiação".
4. O certo é que, outra seca, cruel e devastadora, está esvaziando as cacimbas, as lagoas, açudes e rios nordestinos; matando as plantas, os animais; e matando de tristeza o bom sertanejo que, mesmo diante do flagelo imposto pela prolongada estiagem, continua fazendo promessas e procissões.
5. Há rezas todas as noites ao som de benditos lamuriosos pedindo pra chuva "vortar".
OH! de quantas eu participei! No meu Ceará, nas preces, apela-se para o "advogado da chuva", o senhor São José, padroeiro do Estado.
6. Eu posso falar de secas. Nasci na pequenina Carius e me criei no Iguatu, duas cidades do alto sertão alencarino ambas banhadas pelo Rio Jaguaribe. Banhadas? La, meu caro amigo, quando a seca é braba - ainda hoje é assim - nem os calangos escapam.
7. Só os nossos jumentos atravessam as secas sãos e salvos. Sobre a resistência do jegue à fome, Gustavo Barroso lembra o que dizem os sertanejos sobre o muar: "Em tempo de calamidade só escapam duas nações de gente: o sacerdote e o jumento."
E comenta o autor de "Alma sertaneja": "Esta frase é de muita ironia e, em verdade, o sertanejo explica que o jumento tudo devora e o padre passa bem, cria banhas e recebe presentes das beatas."
8. Como sofre o sertanejo nordestino! É duro, mestre, ver a vaquinha de estimação tombar no mato adusto, com sede e com fome. Ver o "pé de fulô" morrer de sede. E ao seu lado agonizar o fiel rafeiro, companheiro de tantas e gloriosas caçadas.
Ver a asa branca bater asas e partir; ver a juriti deixar de cantar e o galo de campina emudecer de bico seco.
9. Na seca, só os urubus fazem a festa. Aos magotes, eles pousam, decididos e alvoroçados, sobre o touro ou alazão que a estiagem matou, arrancando-lhes as vísceras, numa impiedosa voracidade.
Vendo tudo isso, o sertanejo chora e reza. Mas sempre de olho no céu, "namorando as nuvens", acreditando que dias melhores virão...
10. A verve do cearense é encantadora, até nos momentos de aflição e desventura. Certa ocasião, passando de carro por uma cidade castigada pela seca, olhei pro chão esturricado e perguntei a um sertanejo o que ele achava daquilo. E ele, sem hesitar: "Ruim, doutor, não é a terra; ruim é o céu."
11. "Ai como é duro viver/ nos Estados do Nordeste/ Quando o nosso Pai Celeste/ não manda a chuva chover." Do grande Patativa do Assaré.
Entonce o rocêro, pensando consigo,
Diz: isso é castigo!
Não chove mais não.
Patativa do Assaré
1. Não chove no sertão do nordeste. A seca está declarada. Minha irmã, que mora no Ceará, me disse há pouco pelo telefone: "Olha, mano, por aqui, não cai uma gota d´água!"
2. Logo, eu imaginei o sertão castigado pela seca feroz, como o descreveu Gustavo Barroso, no seu formidável "Terra de Sol".
Disse Barroso: "A natureza compungida tem o desolado aspecto da desgraça e se recolhe no grande silêncio do sertão combusto..."
3. É isso aí. Deus, mais uma vez, se esqueceu dos nordestinos! E eu pergunto: que mal eles fizeram ao Criador? Qui judiação!
Luiz Gonzaga cantou, do cearense Humberto Teixeira: "Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/ Eu perguntei a Deus do céu, ai/ Por que tamanha judiação".
4. O certo é que, outra seca, cruel e devastadora, está esvaziando as cacimbas, as lagoas, açudes e rios nordestinos; matando as plantas, os animais; e matando de tristeza o bom sertanejo que, mesmo diante do flagelo imposto pela prolongada estiagem, continua fazendo promessas e procissões.
5. Há rezas todas as noites ao som de benditos lamuriosos pedindo pra chuva "vortar".
OH! de quantas eu participei! No meu Ceará, nas preces, apela-se para o "advogado da chuva", o senhor São José, padroeiro do Estado.
6. Eu posso falar de secas. Nasci na pequenina Carius e me criei no Iguatu, duas cidades do alto sertão alencarino ambas banhadas pelo Rio Jaguaribe. Banhadas? La, meu caro amigo, quando a seca é braba - ainda hoje é assim - nem os calangos escapam.
7. Só os nossos jumentos atravessam as secas sãos e salvos. Sobre a resistência do jegue à fome, Gustavo Barroso lembra o que dizem os sertanejos sobre o muar: "Em tempo de calamidade só escapam duas nações de gente: o sacerdote e o jumento."
E comenta o autor de "Alma sertaneja": "Esta frase é de muita ironia e, em verdade, o sertanejo explica que o jumento tudo devora e o padre passa bem, cria banhas e recebe presentes das beatas."
8. Como sofre o sertanejo nordestino! É duro, mestre, ver a vaquinha de estimação tombar no mato adusto, com sede e com fome. Ver o "pé de fulô" morrer de sede. E ao seu lado agonizar o fiel rafeiro, companheiro de tantas e gloriosas caçadas.
Ver a asa branca bater asas e partir; ver a juriti deixar de cantar e o galo de campina emudecer de bico seco.
9. Na seca, só os urubus fazem a festa. Aos magotes, eles pousam, decididos e alvoroçados, sobre o touro ou alazão que a estiagem matou, arrancando-lhes as vísceras, numa impiedosa voracidade.
Vendo tudo isso, o sertanejo chora e reza. Mas sempre de olho no céu, "namorando as nuvens", acreditando que dias melhores virão...
10. A verve do cearense é encantadora, até nos momentos de aflição e desventura. Certa ocasião, passando de carro por uma cidade castigada pela seca, olhei pro chão esturricado e perguntei a um sertanejo o que ele achava daquilo. E ele, sem hesitar: "Ruim, doutor, não é a terra; ruim é o céu."
11. "Ai como é duro viver/ nos Estados do Nordeste/ Quando o nosso Pai Celeste/ não manda a chuva chover." Do grande Patativa do Assaré.