Valquíria

Ela surgiu com um grupo de meninos. Devia ter uns três anos e brincava feliz naquele meio. Um carrinho tosco com rodas bambas descia transportando um garotinho feliz, de carinha suja. Ao lado dele, outras crianças imprimiam às suas perninhas finas, porém firmes, a mesma velocidade. Valquíria, era esse o seu nome, corria como se não tivesse peso algum ou será que dominava a lei da gravidade? Era tão suave que parecia não tocar o chão. Talvez fosse um anjo...

Na volta, o carrinho subia o morro empurrado por crianças de coraçõezinhos ansiosos, aguardavando o momento de descerem novamente a ladeira com toda a velocidade vacilante que aquele carrinho tosco poderia resistir. O cachorrinho de pêlo encardido estava todo saliente, acompanhando o grupo. Adiantava-se um pouco, depois voltava para se juntar à turma. Latia e abanava a calda incansavelmente.

Valquíria dava gritinhos entusiasmados e seus cabeços balançavam-se ao vento. Eram finos com cacheados suaves, cachos preguiçosos, desses que se desfazem a qualquer maneio da cabeça e voltam lentamente ao seu estado original. Vestia uma sainha rosa e uma camiseta azul e os seus pés estavam nus.

Um nome grande e forte para uma menininha tão pequenina e frágil. Na mitologia Nórdica, as Valquírias eram filhas de Odin, o deus principal, e eram descritas como mulheres jovens, bonitas, porém bravias, que se vestiam em armaduras completas e espadas, enquanto cavalgavam. Fiquei observando a Valquíria que brincava inocentemente e notando o profundo contraste com as Valquírias da mitologia. Aliás, o que mais havia ali era contraste. A terra de um vermelho intenso se misturava com a sua pele alva. Seus cabelos de tão louros pareciam brancos.

Agora era a sua vez de entrar naquela espécie de caixote e colher a emoção proporcionada pela descida. Suas mãozinhas seguravam as bordas dele e seus gritinhos se multiplicaram ladeira abaixo.

Afastei-me das pessoas que me acompanhavam e me aproximei daquelas crianças. No momento em que interromperam para ajeitar a roda do carrinho, não resisti e peguei Valquíria nos meus braços. Ela encolheu-se toda envergonhada e se emudeceu como um pássaro preso em uma gaiola. Que egoísmo querer privá-la, ainda que por alguns segundos, da sua diversão! Ela estava completamente integrada naquele meio e eu a havia roubado de lá.

Devolvia-a imediatamente à liberdade, arrependida de minha atitude. Ela esboçou um sorriso tímido, enquanto sua mãe, toda incomodada, falava que minha roupa havia se sujado. Meu Deus, que importância isso tinha? A minha preocupação foi por ter atrapalhado por uns segundos a alegria daquela criança.

À noite, quando fechei os olhos para esperar o sono chegar, fiquei contemplando a imagem de Valquíria, flutuando ladeira abaixo com os cabelos balançando-se ao vento. Dormir com aquela imagem era certamente ter um anjinho povoando os sonhos.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 11/05/2012
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