A BOA MÚSICA AINDA RESISTE EM SALVADOR

A BOA MÚSICA AINDA RESISTE EM SALVADOR

Jorge Linhaça

Largo da Madragoa, Cidade Baixa, domingo.

Um grupo de músicos, chamado Amigos da Madragoa, composto por senhores já bem vividos, nos brinda com seu espetáculo semanal que se inicia as 10:30 e prossegue até as 16:00, todos os domingos. Chamo um deles para uma rápida conversa sobre o repertório e ele me diz que ali se canta e toca de tudo, samba, bolero, chorinho, seresta, mas nada de pagode, axé ou arrocha.

Respiro, aliviado, compro um CD independente de um dos integrantes e retorno mais tarde, por volta das 14 horas. O espaço está tomado por cadeiras e mesas onde famílias se reúnem para ouvir boa música e dançar. Senhores bem idosos, com os movimentos já bem limitados se arriscam na pista improvisada de dança. Cantores conhecidos ou não dão suas canjas e a festa prossegue num clima mais do que familiar

Famílias se espalham pela praça para mais longe da tenda-palco e dão à paisagem um ar de cidadezinha do interior.

Muita gente veste suas camisetas (aqui se diz camisas, sei lá eu o porquê) do Bahia e um solitário aparece com uma do Vitória, afinal, hoje é dia de Ba-Vi...

Na pista improvisada de dança casais deslizam seus passos, cada um do seu jeito na mais absoluta democracia.

A música aqui é lazer, é resgate cultural, é terapia para o corpo e a alma. Nada daquela barulheira infernal à qual quem vive na capital baiana está sujeito todos os dias, já que aqui qualquer um que tem um carro acha que deve montar um trio-elétrico no veículo e que os demais habitantes devem gostar dos arremedos de música que infestam o cotidiano soteropolitano.

Pode ser que o soteropolitano queira ser solidário e por isso toque seus CS’s tão alto, mas sinceramente 90% do que se é obrigado a ouvir está longe de ser música de qualidade.

Enfim, gosto cada um tem o seu. Há quem goste dos olhos e há quem prefira a remela.

Não é que eu tenha preconceito contra os ritmos musicais, mas as letras são de tão baixo nível que ferem a dignidade de qualquer um que tenha um pouco de bom gosto ou de bom senso.

O Largo da Madragoa é um oásis que deveria ser reproduzido e multiplicado em muitos outros largos e praças desta cidade carente de cultura de qualidade.

Esse encontro na Madragoa já ocorre há anos, sem que a prefeitura sequer se disponha a fornecer banheiros químicos para o evento. Fiquei entristecido quando ouvi alguém do grupo dizer, ao microfone, que eles iriam ter que alugar os tais banheiros da prefeitura.

Mas garanto que se fosse um show de axé ou coisa pior, com certeza a prefeitura colocaria sanitários públicos de alvenaria na praça.

Afinal, é preciso manter a caricatura de Salvador, ainda que ela não seja das mais bonitas, musicalmente falando.