Mestre Prentice Carvalho artesão-azulejaria
MESTRE PRENTICE CARVALHO
Jorge Linhaça
Por várias vezes costumo ir dar “um rolê” pela Ribeira e sentar-me próximo a alguns barcos que, naufragados, aguardam que o dinheiro dos proprietários lhes permita efetuar o restauro. Entre eles um antigo restaurante/boate que ficava próximo ao Farol da Barra em outros tempos.
Gosto de observar a arquitetura das casas que se espalham pela beira-mar ali na Rua Porto Ribeiro (antiga Mem de Sá) e uma delas sempre me chamou atenção por parecer uma casa assombrada e abandonada, fica ali no nº 70, ao lado da sociedade Pestalozzi.
Coincidências da vida. Resolvo visitar um artista plástico, um azulejista, sobre o qual li na revista “Muito”, que circula aqui em Salvador junto com o Jornal “A Tarde” aos domingos. Prentice Carvalho leva a sua arte há 60 anos ali na Ribeira. A única forma de contato que a revista oferece é um telefone.
Ligo e um senhor simpático me atende do outro lado da linha e me fornece o seu endereço para uma visita.
Surpresa! O ateliê e casa do artista são ali mesmo, na “minha casa assombrada”... Empurro o velho portão de ferro e ele range qual aqueles dos filmes de Drácula... Lá, bem ao fundo uma figura se move em direção à entrada para nos recepcionar, Prentice não tem nada de assustador e nem de longe lembra os mordomos de filmes de terror.
Conversar com o artista é um prazer e uma aula de história, fala-nos sobre a sua casa com mais de 120 anos segundo ele conta, construída pelos escravos usando pedra, argamassa e óleo de baleia nas fundações, a parede da frente, que dá para o mar, tem noventa cm de profundidade, em pedra.
Fala-nos dos alicerces sobre sapatas enormes, de sua formação como engenheiro e de nunca ter atuado como tal, conta-nos de sua relação de parentesco om os Fratelli Vita, da antiga indústria de cristais e depois fábrica de refrigerantes, engolida pelo tempo e pelas multinacionais.
Conversamos sobre o descaso público da administração municipal e dos problemas enfrentados com as sobretaxas de energia elétrica, fundamentais para a sua arte, afinal precisa cozer a porcelana dos azulejos.
Prentice acaba de recusar uma encomenda, pois, o contratante pretendia o serviço executado para segunda-feira e ele não liga seu forno se o mesmo não estiver cheio, senão o gasto se torna proibitivo.
Chama sua esposa, dona Valdeci, licoreira de primeira, pra entrar na conversa, ela nos fala do cuidado que tem para fazer seus licores famosos aqui na região, com uma clientela já fiel, conta-nos que faz, por ano, uns quinhentos litros de licores diversos (inclusive o famoso licor de jenipapo) sem contar os cremosos.
O casal é bom de papo e percebe-se nas suas falas, o amor com que desempenham as suas artes.
Pelas paredes do casarão espalham-se obras diversas de Prentice, peças de azulejaria desde as simples feitas para agradar turistas até peças magníficas que remetem à azulejaria portuguesa .
Entre as obras, reproduções de retratos em azulejaria, painéis lindíssimos e: Mais uma surpresa! No teto do ateliê, qual um afresco de catedral, um painel imenso de um sol brilhante assinado pelo artista.
Prentice tem trabalhos seus espalhados pelo mundo todo, inclusive no Vaticano. Seus livros de visitas atestam as visitas de turistas de todos os cantos do mundo e ele nos conta “causos” curiosos envolvendo sua clientela.
Pergunto se seus filhos vão levar avante sua arte e ele diz que não acredita que isso venha a ocorrer, que não parecem levar muito jeito. Uma pena.
É torcer para que alguém preencha esse vazio, mas parece que, infelizmente, muita arte está fadada à extinção. Com a industrialização de produtos e consequente queda no preço das peças, o lado artístico e artesanal vai perdendo espaço e o interesse das novas gerações pela sua continuidade.
A arte vai sobrevivendo, empobrecida e padronizada, em busca de preços menores e volumes de vendas.
Prentice mantém a arte pura e também a comercial, único mestre azulejaria em Salvador...Tomara que ainda por muitos anos.