Ressaca
Ele acordou sem lembrar onde estava. “Onde estou?”, perguntou previsivelmente. Olhou em volta para o que parecia ser um escritório vagamente familiar. O que ele tinha feito ontem? Por que tinha a sensação de estar envergonhado? Que dor de cabeça era aquela? Ligou para Adamastor, seu velho camarada de guerra, amigo de todas as horas, companheiro de escritório já há bons quinze anos.
- Alô? - perguntou, titubeando.
- Pois não?- atendeu Adamastor com uma voz fria e profissional.
- Adamastor?
- Claro, continue.
- Ah... Fiúca - era o apelido de Adamastor - você não vai acreditar...
- Por favor, me chame de Adamastor, doutor Reginaldo.
- Fi... Adamastor, o que eu fiz?
- O que você fez? Como assim o que você fez?- falou Adamastor exaltado - Você tem que perguntar isso para a Gorete.
Ele observou a sala onde estava. Era um bom escritório, ele estava vestindo um bom terno. Estava no trabalho, isso ele podia dizer, mas a sua mesa não era aquela, ou era? Levantou e procurou a Gorete.
- Joana, você viu a Gorete?
Joana levou as mãos ao rosto, começou a chorar e correu para o banheiro. Dona Ângela, a secretária, disse algo como “onde já se viu” e foi consolar a amiga.
Tudo estava confuso. Ele se lembrava vagamente de uma festa. O que ele tinha feito? Por que ele estava envergonhado? E de onde vinha essa dor de cabeça? Voltou para a sala estranha e viu seu nome escrito na porta. Encheu uma xícara de café na garrafa térmica, que também tinha seu nome. “Um café forte vai me ajudar”, pensou e bebeu tudo rapidamente. Foi aí que se lembrou: ele havia sido promovido.
- Alô? Adamastor, não desligue. Preciso te falar uma coisa.
- Diga doutor Reginaldo.
- Pare de me chamar de doutor. Cara, eu preciso de sua ajuda, eu não me lembro de nada.
- Não se lembra do quê?
- De nada do que fiz depois que fui promovido. O poder me subiu à cabeça.
- Foi o que nós te dissemos. Todo mundo falando “Reginaldo, você está embriagado com o poder”, mas você ouviu? Não. Disse que se quisessemos falar com você tinhamos que te chamar de Doutor Reginaldo, e tinhamos que falar o “dê” maiúsculo.
- Como assim?
- Foi o que te perguntamos, mas você disse que precisava de respostas e não de mais perguntas. Se nós não sabíamos as respostas, você ia encontrar quem soubesse e colocar no nosso lugar.
- Eu disse isso?
- Disse.
- Mas eu não sou assim.
- Você estava embriagado.
- O que eu fiz com a Gorete?
- Não quero nem pensar nisso. Você vai ter que conversar com ela e ver se ela tira o processo da justiça.
- Mas...
- Não me venha com mas. Eu te avisei.
- Rapaz... mas eu...
- E peça desculpas para o Jorge.
- Do RH?
- Da contabilidade, mas peça desculpa para o do RH também.
- Puxa vida... você me ajuda com isso? É que estou com uma dor de cabeça incrível.
- Ressaca.
- Pois é.
- Ah! E não beba o café da sua sala. O pessoal da copa também anda meio bravo...