Diante da morte

Guida Linhares

 

Ela viveu uma vida dedicada à família, contudo guardava mágoas e tristes recordações da infância, que a perseguiram pelos anos e deixavam sempre marcas tristonhas em seu fechado rosto. Poucas vezes mostrava na face, a alegria pelo prazer de viver e por ter construido uma linda família. Os fantasmas do passado permaneciam ao seu lado e de certa forma influenciavam seu estado de ânimo, e muitas vezes ela falava palavras rudes e de desalento, para quem estivesse ao seu lado. Tantas vezes se indispôs mesmo com as pessoas próximas, mas que a amavam muito e exercitavam a paciência e tolerância.

Eu a visitei algumas vezes ao longo dos anos e mesmo sentindo que nos gostávamos, ela sempre se mostrava distante e indiferente às palavras e aos toques carinhosos, mantendo um olhar desafiador, como se toda a verdade apenas ela possuisse.

Poucas visitas me fez, e com o tempo também fui rareando, pois o prazer que deveria ser a tônica da companhia era substituido por uma angústia pela não aceitação de uma mudança de ótica de vida, e por uma falta de intercâmbio, de aceitação de novas idéias.

Fazia anos que não a via. O filho ligou no começo de janeiro, para dizer que a mãe estava muito mal no hospital e fui visitá-la.

A família lá estava carinhosa como sempre e ela na cama com aquele seu ar ausente, aquele orgulho de sempre estampado no rosto, aquele riso de desdém para com a vida.

Nos momentos em que ali estive fiquei refletindo sobre a felicidade que ronda as pessoas que muitas vezes nem se dão conta de que são felizes. Uma família unida, marido carinhoso e sempre presente, filhos que nunca deram trabalho e se tornaram homens de bem, noras amorosas e netos alegres, que muito a amavam.

Mulher feliz que conseguiu aglutinar em torno de si tantos seres queridos, mas que mesmo assim, conservou seus fantasmas do passado. Talvez se os tivesse eliminado, ao receber as bençãos da vida, tivesse vivido uma vida mais alegre, sentindo o quando era amada e o quanto a família se preocupava com ela e com seus instáveis estados de humor.

Fui a ultima pessoa a vê-la com vida na UTI, e nos momentos em que lá estive, procurei dizer palavras doces sobre a nova vida, já que ela estava resistindo à morte, há doze dias, para espanto dos médicos. Seu estado de saúde era muito precário, estava bastante inchada e respirando através dos aparelhos.

Senti que estava diante da morte, e pensei na fragilidade da vida. No quanto deixamos de fazer tantas coisas por conta do orgulho, da arrogância e da auto suficiência e perdemos a oportunidade de sermos mais felizes, em companhia dos parentes e amigos.

A vida é fugaz e passageira e a unica certeza que temos, verdade absoluta, é que a nossa hora derradeira um dia vai chegar. Que nos encontre com a certeza de que tentamos fazer da nossa existência, um jardim florido e perfumado,onde as borboletas vieram celebrar a vida.

 

Santos/SP/Brasil 

01/02/07

 

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