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M O I S É S
Uma campina verdejante à margem de uma rodovia.Alguns pequenos capões de mato,um olho d´agua,pontilhão e porteira...
Um pouco mais adiante :uma pequena casa. Uma casinhola recem construída com a reutilização de madeiras.Assim,paredes que misturam tábuas nas cores de laranja e creme vão se alternando e duas janelinhas abrem um sorriso à azulada distância de uma serra longínqua.
O que resta do sol do fim do dia derrama-se em brilho sobre a harmonia de cores,de gosto discutível, e o tom festivo do conjunto sobressai no verde atraindo olhares passantes pela BR.
Êle está feliz! Tem agora a sua moradia e isso lhe dá a segurança de que precisa para os seus quase 80 anos.
Retorno de minha caminhada e um convite me é feito num tom muito amistoso:
_Companheiro! Se achegue... Vem conhecer a minha querência! É claro que me “achego”.Conheço o Moisés das muitas idas e vindas,das filas de supermercados,das farmácias,enfim...
Cruzo a porteira. Moisés,no terreiro, soca um pilão.
A energia que flui daquêles braços franzinos faz inveja à um garotão de 18 anos.
A “querência” está iluminada pelos últimos raios de sol.Moisés tem na face o contentamento de quem realizou o seu maior sonho: A casa propria!
Não mais que uns três pequenos cômodos.No fogão à lenha borbulha um caldeirãozinho de ferro.O cheiro delata: Feijão fresco!
Um balde de alumínio (não há água tratada por ali),uma cerca de pau à pique e uns pés de couve no viço dos primeiros meses.
Apressadas ,cruzam galinhas à caminho das erveiras .Canta o garnizé e Moisés,irritado,ensaia um chute no traseiro do cantante.Êste é rápido.Escapa,e continua esganiçando campo à fora.
Cavalos mastigam espigas proximos à carroça e, uma vaquinha,magra e ossuda,lambe carinhosamente seu mais novo rebento.
Moisés soca, e fala. Como fala!...Entre uma batida e outra no pilão as histórias vão fluindo mais ou menos assim:
-Numa ocasião,em “mil e novecentos e tanto”,você não era nem projeto de gente ainda,etc,etc....
Certa vez,lá no “cafundó do Judas”....Naquêle tempo em “que amarrava-se cachorro com lingüiça”... No tempo "do êpa”...No tempo do “Getúlio” ( instante em que retira o chapéu em sinal de respeito) e a conversa vai ganhando volume,agigantando-se .
Sou-lhe todo ouvidos.E êle,soca!...Soca!...Soca!...
Num determinado momento,interrompe a “socagem”,adentra à casa e retorna trazendo dois pratinhos.Com uma colher de pau retira do pilão a iguaria e serve-me :
-Meu amigo! Vais comer a mais deliciosa paçoca de carne de tua vida.É receita de minha finada mãezinha (novamente o chapéu sai da cabeça em sinal de respeito) que Deus a tenha no reino da glória.
De acompanhamento preferes : um golinho de “canha” ou um cafezinho?
Opto pelo café.
-Tá muito certo! Vivente.A tinhosa (canha) não faz muito bem.Mas não “vivo sem ela”kkkkkkkkkkkkkk. O cafezinho é fresco.Coei “À pôcas horas” é o café das “treis”.
Lado à lado,sentamo-nos num banco comprido e tive a oportunidade de saborear “a melhor paçoca de carne bovina em tôda a minha vida!”.Poderia ter levado um pouco menos de sal,mas os temperos,a combinação das farinhas (mandioca e milho) e aquela carne bovina desfiada e socada (e bota socada nisso!) evocaram-me o manjar dos deuses.
Moisés bebericava a sua canha.O bigodinho maroto retinha parte da farofa.Eu sorvia o café , coado “à pôcas horas” e me deliciava com a culinária do meu amigo beirando os 80.
O sol ,escondido atrás das serras,espargia um ouro intenso no céu da tarde...
Decido explorar o lado poético de Moisés.
-Lindo êsse céu,meu caro Moisés! Isso é o toque da mão de Deus,não achas?
Resposta surpreendente:
-Eh!...Mas parece que Deus está com dor de barriga.
-Como assim,Moisés? Pergunto-lhe:
-Então,companheiro!Êle “amarelô na tarde” kkkkkkkkkkkkkkk
E logo em seguida,com a cara respeitosa e um olhar distanciando-se na linha do horizonte:
-Descurpe a brincadeira amigo.Um céu tão lindo feito êste e a presença do companheiro em minha “querência” dão a certeza de que “Deus inzéste meeeesmo!”
-Fico arrepiado,despeço-me e...vou andando.
Guardo ainda na boca aquêle gosto da melhor paçoca de carne bovina .Já tenho me distanciado o bastante mas não o suficiente para poder ainda ouvir a cantilena do garnizé e o resmungo de Moisés: “Sai pra lá!...Purgante.”
Grande Moisés,o exemplo da felicidade cultivada nas pequenas coisas.
Moisés,Moisés!...Deus “inzéste” meessmo!
M O I S É S
Uma campina verdejante à margem de uma rodovia.Alguns pequenos capões de mato,um olho d´agua,pontilhão e porteira...
Um pouco mais adiante :uma pequena casa. Uma casinhola recem construída com a reutilização de madeiras.Assim,paredes que misturam tábuas nas cores de laranja e creme vão se alternando e duas janelinhas abrem um sorriso à azulada distância de uma serra longínqua.
O que resta do sol do fim do dia derrama-se em brilho sobre a harmonia de cores,de gosto discutível, e o tom festivo do conjunto sobressai no verde atraindo olhares passantes pela BR.
Êle está feliz! Tem agora a sua moradia e isso lhe dá a segurança de que precisa para os seus quase 80 anos.
Retorno de minha caminhada e um convite me é feito num tom muito amistoso:
_Companheiro! Se achegue... Vem conhecer a minha querência! É claro que me “achego”.Conheço o Moisés das muitas idas e vindas,das filas de supermercados,das farmácias,enfim...
Cruzo a porteira. Moisés,no terreiro, soca um pilão.
A energia que flui daquêles braços franzinos faz inveja à um garotão de 18 anos.
A “querência” está iluminada pelos últimos raios de sol.Moisés tem na face o contentamento de quem realizou o seu maior sonho: A casa propria!
Não mais que uns três pequenos cômodos.No fogão à lenha borbulha um caldeirãozinho de ferro.O cheiro delata: Feijão fresco!
Um balde de alumínio (não há água tratada por ali),uma cerca de pau à pique e uns pés de couve no viço dos primeiros meses.
Apressadas ,cruzam galinhas à caminho das erveiras .Canta o garnizé e Moisés,irritado,ensaia um chute no traseiro do cantante.Êste é rápido.Escapa,e continua esganiçando campo à fora.
Cavalos mastigam espigas proximos à carroça e, uma vaquinha,magra e ossuda,lambe carinhosamente seu mais novo rebento.
Moisés soca, e fala. Como fala!...Entre uma batida e outra no pilão as histórias vão fluindo mais ou menos assim:
-Numa ocasião,em “mil e novecentos e tanto”,você não era nem projeto de gente ainda,etc,etc....
Certa vez,lá no “cafundó do Judas”....Naquêle tempo em “que amarrava-se cachorro com lingüiça”... No tempo "do êpa”...No tempo do “Getúlio” ( instante em que retira o chapéu em sinal de respeito) e a conversa vai ganhando volume,agigantando-se .
Sou-lhe todo ouvidos.E êle,soca!...Soca!...Soca!...
Num determinado momento,interrompe a “socagem”,adentra à casa e retorna trazendo dois pratinhos.Com uma colher de pau retira do pilão a iguaria e serve-me :
-Meu amigo! Vais comer a mais deliciosa paçoca de carne de tua vida.É receita de minha finada mãezinha (novamente o chapéu sai da cabeça em sinal de respeito) que Deus a tenha no reino da glória.
De acompanhamento preferes : um golinho de “canha” ou um cafezinho?
Opto pelo café.
-Tá muito certo! Vivente.A tinhosa (canha) não faz muito bem.Mas não “vivo sem ela”kkkkkkkkkkkkkk. O cafezinho é fresco.Coei “À pôcas horas” é o café das “treis”.
Lado à lado,sentamo-nos num banco comprido e tive a oportunidade de saborear “a melhor paçoca de carne bovina em tôda a minha vida!”.Poderia ter levado um pouco menos de sal,mas os temperos,a combinação das farinhas (mandioca e milho) e aquela carne bovina desfiada e socada (e bota socada nisso!) evocaram-me o manjar dos deuses.
Moisés bebericava a sua canha.O bigodinho maroto retinha parte da farofa.Eu sorvia o café , coado “à pôcas horas” e me deliciava com a culinária do meu amigo beirando os 80.
O sol ,escondido atrás das serras,espargia um ouro intenso no céu da tarde...
Decido explorar o lado poético de Moisés.
-Lindo êsse céu,meu caro Moisés! Isso é o toque da mão de Deus,não achas?
Resposta surpreendente:
-Eh!...Mas parece que Deus está com dor de barriga.
-Como assim,Moisés? Pergunto-lhe:
-Então,companheiro!Êle “amarelô na tarde” kkkkkkkkkkkkkkk
E logo em seguida,com a cara respeitosa e um olhar distanciando-se na linha do horizonte:
-Descurpe a brincadeira amigo.Um céu tão lindo feito êste e a presença do companheiro em minha “querência” dão a certeza de que “Deus inzéste meeeesmo!”
-Fico arrepiado,despeço-me e...vou andando.
Guardo ainda na boca aquêle gosto da melhor paçoca de carne bovina .Já tenho me distanciado o bastante mas não o suficiente para poder ainda ouvir a cantilena do garnizé e o resmungo de Moisés: “Sai pra lá!...Purgante.”
Grande Moisés,o exemplo da felicidade cultivada nas pequenas coisas.
Moisés,Moisés!...Deus “inzéste” meessmo!