"Viva o sol, do céu da nossa terra, vem surgindo, atrás da grande serra"

             Rosa Pena

 

Fim de semana com chuva, televisão agonizando, janelas fechadas, ruas vazias, todos escondidos da bala, não de hortelã que refresca, o ar-asfixiado ligado e a constatação que o verão envelheceu talvez mais do que eu. Agora ele usa filtro solar, perdeu seu jeito dourado, cansou de fazer calor. Ficou mais ácido que a chuva, estufado de raiva. Na sala de estar uma cristaleira, com miniaturas que eram da coleção de mamãe, cismou de olhar pra minha solidão, só quebrada pelo som insistente do telefone. 

 —

Aline, por favor!

 — Não mora aqui, desligo com raiva. 

 

Inversão de valores, eu que tinha que estar olhando o móvel velho, vendo o depósito de recordações que ele guarda. Viro de costas e xingo o domingo maldito. Não tem mais o Galvão Bueno fazendo cena por causa do Sena, se volto mais o filme não tem mais nem o filme, pelo menos o Tom & Jerry que eu adorava ver com meu pai.

 

O maldito telefone insiste em interromper minha sessão nostalgia. 

 

— Você sabe o telefone da Aline?

— Nãoooooooooooo!!!!!!!!!!!! Nunca ouvi falar nela. 


 

Acabou a regalia de tomar guaraná porque é domingo. Não tem mais vizinha fazendo bolo cheiroso, nem o maiô inteiro da mamãe na corda, nem minha irmã namorando escondido de papai na escada. Agora se namora no quarto, o pai que se esconda. Verão velho e vagabundo. Será que foi feito no Paraguai? 

 

Repeti quantas vezes a palavra verão? Ando repetindo tudo, será que estou perdendo a memória? Caso esteja, porque as lembranças tão vivas dos domingos cansados dos embalos dos sábados, vividos com tanta intensidade em outros verões? 

 — Sua voz é igual da Aline!

— Mas não sou! Ela morreu de estresse de tanto atender telefone.

— Pena, pois ela era muito gostosa. 

 

Atualmente ando esgotada do repouso dos fins-de-semana. O inventor do descanso era gay, amante do tédio. Juntos criaram o domingo, pé de cachimbo, o cachimbo é de ouro. Caraca, isso ai é mais antigo que a invenção dos shoppings que esvaziaram a cidade. Por sinal, só me sobrou me enfiar num. 

— 

Você não é ela, mas sua voz é um charme.

— É mesmo?

—Ta ocupada?

— Estava arrumando gavetas.

—Vamos juntos ao enterro da Aline? 

 Será mesmo que o verão envelheceu?

 

 

 

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 01/02/2007
Reeditado em 20/09/2008
Código do texto: T365901
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