RETORNO

e souza

Faz longos anos desde o fatídico ataque suicida do Lindinho. Vamos relembrar, ele jamais esqueceu àquele domingo que até hoje não terminou. “Um ataque, um tombo, cinco segundos, a morte passageira, a ressurreição, um olhar com brilho incomum, uma coisa que parecia ser um quase riso, uma piscada com a pálpebra esquerda, as reboladas e por fim o ataque no nada”. Foi assim que se deu o silêncio, o desespero, o suicídio planejado em que o pássaro era o álibi perfeito. Quando o bicho foi resgatado da ruína, do lixo, do terreno, da caixa de sapatos, pois estava entregue à sua própria sorte. Ele o levou num dos melhores veterinários, gastou mundos e fundos para dar-lhe o melhor, deu-lhe saúde, uma família amorosa, um lar, amor de verdade e um teto seguro. Não foi só na vida, mas na morte prematura quase que anunciada num grito silencioso, o bicho foi sepultado em um cemitério para animais, fez pelo amor a parceira que mesmo assim não quis compreender nem escutou o que teria acontecido naquela tarde. Uma chance, pelo menos um julgamento imparcial, e se for condenado, que seja justo, mas que seja neutro. Ele continua só, pois a única namorada que teve adora gatos e ele não podia mais suportar a situação, a calça justa que se meteria e ser condenado mais uma vez sem justo julgamento e mais uma vez sairia derrotado. Ela vive só com seus pensamentos, às vezes se veem no trânsito, outras vezes na padaria, na farmácia, na feira. No sábado encontraram-se na barraca de pastéis. Ela pediu seu predileto, pizza, e ele resolveu pedir de palmito, ela estranhou o pedido, pois ele jamais comera este sabor. Ele explicou: - Em nossa vida a gente tem de se acostumar com certas coisas, pois o que não gosto hoje pode modificar-se amanhã, até a verdade muda! Ela entendeu o pedido de redenção e o aceitou de braços abertos. Combinaram e foram morar juntos novamente e resgatar o amor que na verdade jamais acabou. Vivem juntos em um bairro de São Paulo, em uma casa térrea, é um lugar tranquilo, com alamedas convidativas para passeios a dois. Ela pediu-lhe um presente de aniversário, mas somente se ele não se sentisse incomodado, gostaria de ganhar um coelho, daqueles minis. Na semana seguinte ele chegou a casa com o presente, o bicho estava dentro de uma caixinha de sapatos, toda furada nas laterais, com muito cuidado colocou-o no colo. Beijaram-se, eles estão felizes, mas por um momento pensou ter visto o coelho olhar-lhe penetrante e dar-lhe uma piscada após um quase riso.

edsontomazdesouza@gmail.com

E Souza
Enviado por E Souza em 09/05/2012
Reeditado em 26/07/2014
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