Paçoca
Coisa difícil é comer paçoquinha depois de adulto. Não pela concentração de açucares e calorias, que sozinha, alimentaria uma tropa, e que faz algumas gramas virarem kilos na consciência. Mas adulto trabalha, faz coisa. A gente não fica, a gente passa. Estamos sempre em trânsito, daqui para ali, resolvendo como comprar o extintor que vai apagar o incêndio. Já tentou desempacotar aquilo enquanto se está andando? O charme da paçoca está no seu esfarelamento. Quando se abre o pacotinho, quadrado ou cilíndrico, se faz com cuidado de neurocirurgião. Ao menor movimento, ao menor sinal de pressão demais no dedo médio, vai-se a paçoca em pedaços e farelos ao chão. Ao volante então? Verdadeiro perigo. Pode causar um sério acidente automobilístico ou pior, espalhar farelo pelo carro todo.
Lembro da minha avó, com sua cara de sorriso certo, seu vestido de vó, seu jeito de vó, fazendo paçoca. “E paçoca faz, vó? Paçoca compra”, pensei, menino de cidade. Ela encheu a panela de amendoim e começou a mexer e torrar. O cheiro de amendoim torrado foi rodeando os primos, qual som de música bonita, denso, escuro. A torra atiçando a meninada, animada pela coisa com jeito diferente e antiga. O amendoim foi para um moedor preto e todo mundo se revezou para girar a manivela pesada. Depois foi o açúcar e depois outra coisa... tinha mais alguma coisa que a memória de menino não gravou, embevecida no cheiro da torra e no açúcar.
Hoje derrubei metade da paçoca quando tentava abri-lá enquanto caminhava, sem tempo de parar. Caminhava, para ver meu filho mais velho, aquele que não tolera amendoim e nem paçoca desde bebê. Quando criança, tinha tempo para abrir o pacote e catar o farelo. Depois ainda chupava o papelzinho e lambia o dedo para não desperdiçar. Hoje não, hoje caminho rápido para acudir o menino, o que é muito melhor do que ter tempo.