Apagar o passado

Apagar o passado... Será possível? Creio que não! Ele está incrustado em nossas vidas como o veio de ouro sobre a pedra. Perceberam a comparação? Veio de ouro sobre a pedra. Para mim ele é esse veio dourado que ilumina os passos na caminhada da vida. Não quero com isso dizer que o passado seja repleto apenas de fatos agradáveis. Muitas vezes, há mais momentos de provação que propriamente de alegrias. A vida é a soma de bons e maus momentos. Mas acredito que os maus momentos são importantes para o crescimento, pois eles nos tornam mais fortes.

Diz o texto “Saiba tirar partido dos reveses”, do livro Seleção de seleções: “Se existe fator que possa concorrer só por si para o triunfo na vida, esse é por certo a habilidade para saber aproveitar as lições que a adversidade nos dá...”. Mais adiante, explica que “há pessoas que se esforçam por esquecer os seus reveses, mas que não é possível eliminar recordações desagradáveis. O que acontece é que a pessoa as reprime e emoções sepultadas transformar-se-ão em pensamentos venenosos, receios, ódios, depressões, sentimentos de várias ordem contra a sociedade”. Diante disso, podemos afirmar que não há como apagar o passado. Temos sim que tirar lições dele para futuros desafios, encarado-o com otimismo e como oportunidade de sermos melhores e, por que não dizer, vencedores? Ninguém se aprimora se não passar por experiências dolorosas. Não podemos, portanto, ignorá-lo por pior que ele tenha sido. Já ouvi dizer que quem vive do passado é museu. Mas não podemos nos esquecer de que nesse museu há relíquias que fazem parte da nossa história. É claro que devemos nos fixar no presente e vivê-lo com intensidade, mas nada impede que, de vez em quando, façamos uma viagem ao passado. Isso é extremamente salutar. Nele está a base que dá firmeza ao nosso caminhar, a estrutura que nos sustenta pela vida afora.

Há poucos dias, conversava com uma amiga e ela me dizia: “Queimei tudo que eu havia escrito, queimei os meus diplomas, as cartas que recebi, tudo foi para a fogueira. Não tenho mais nada que me lembre o passado”. Fixei os olhos nela e falei: ‘Não consigo entender como uma pessoa pode viver como se não tivesse passado”. Ela disse que havia muito sofrimento em tudo aquilo, que havia conseguido os diplomas com muito sacrifício e que ela não ia mais precisar deles, uma vez que se aposentara. Estranho... se foram assim tão difíceis de serem obtidos, deveriam ser troféus para serem admirados e não lixo para ser eliminado. Falei com ela que se eu perder um texto, qualquer que tenha escrito em determinada época, é como se houvesse uma interrupção, como se naquele período eu tivesse ficado sem viver. Nessa hora percebi que os olhos dela encheram-se de lágrimas.

Ela está sempre à procura de algo que não encontra. Nunca se fixa em nada. Não sei quantas vezes se mudou. Cada vez que vou à sua casa há algo novo, objetos de decoração, móveis, colchas, louças... Atividades, não sei quantas já a vi fazer, mas não persiste em nenhuma delas. Sonhava em ter um apartamento na praia, comprou-o, depois de incontáveis reformas, colocou-o à venda. Disse que o bom é estar cada época em uma praia. Quando as férias chegam, não consegue ficar em casa. Precisa sair, ir para qualquer lugar. Mas mesmo assim, está insatisfeita.

Quando entro em sua casa é como se tivesse entrando em um lugar diferente, pois nunca reconheço nada. Em minha casa os objetos contam histórias minhas e das pessoas queridas. Eu não me canso de nenhum deles. Cada objeto está impregnado de significados profundos e me recordam alguma coisa.

Um dia ainda falo com ela para fazer as pazes com o passado, pois essa fuga precisa terminar um dia para que ela possa finalmente se encontrar e ser feliz.

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 08/05/2012
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