= O SUICIDA ( A Rubens Braga ) =

O SUICIDA

(Ao cronista maior: Rubens Braga)

Seu Nico, viúvo e aposentado, poeta “sem orelha”, acorda sempre por volta das seis e meia. Faz o café, toma os remédios obrigatórios, devidamente colocados de véspera sobre o “criado mudo”, assiste o noticiário pela televisão, e de repente, sufocado pela solidão, resolve acabar com tudo.

Olha para o teto do quarto, para as paredes precisadas de tinta, para o escasso mobiliário, como se pedisse trégua. A idéia era essa... Não há o que se fazer! Nem pedir. Nem ouvir. Já se faz tempo. Já se faz hora. Para que continuar quase aos oitenta anos, se nada mais espera? Se nada mais seduz? Esperar o quê? Que o telefone toque? Que alguém o ajude a atravessar a rua? Que um primo indique um novo oftalmologista? Que tudo fique cada vez pior e se desintegre?

Coloca os óculos, consulta, novamente seu caderno de anotações, para estar convicto, para ter certeza que providências essenciais tinham sido tomadas.

A idéia de ser um peso morto, sempre o incomodara... Sempre fora para ele um verdadeiro martírio Um constrangimento que precisava libertar-se, a ponto de se ter tornado uma obsessão fantasmagórica.

-Não quero dar trabalho! Nem ter que sentir pena de mim mesmo! Já chega...! Respira fundo para enganar as lágrimas, e queimar os pensamentos.

- Não quero ser estorvo para ninguém!

Relê a carta que escrevera para as filhas já algum tempo, averiguando com cuidado, no caso de ter esquecido alguma coisa, algum detalhe aparentemente irrelevante.

-Tudo certo... !

Em seguida coloca a carta no envelope, deixando-a em destaque perto do telefone.

Abre o guarda roupa, retira uma pequena maleta cinza onde guardara o revolver “Smith, calibre 32”, que pertencera a seu pai, e por mais que freasse o pensamento, o todo parecia inevitável.

Durante dois anos, poupara o suficiente para as despesas do funeral. Portanto, tirando o seu próprio peso, e alguns contra tempos, o trabalho que daria, seria o menor possível. E no mais, que todos perdoassem o seu gesto de aparente covardia.

Repentinamente, fala e gesticula, como se alguém bem próximo o censurasse por atitudes antigas e futuras, pelo conformismo e passividade diante da vida. E por isso, gritava gesticulando, como se respondesse as interpelações aleatórias, com a dor contida de suas mágoas.

Subitamente, pensa nas filhas... Uma internada com doença psiquiátrica crônica, e a outra, desempregada, sem chance de receber qualquer pensão, caso ele faltasse.

Agora não era hora de pensar. Ao contrário, tinha que esvaziar a cabeça. Tinha que evitar os atalhos “ braços” que levam ao arrependimento de quem não tem de que se arrepender.

Tira o revolver da caixa, coloca as balas vagarosamente com extremo cuidado e frieza, solta a trava de segurança, direciona o cano curto junto a cabeça, coloca o dedo no gatilho, e quando estava condicionado a apertá-lo, de repente o telefone toca!...

Era do hospital.

Do outro lado da “linha”, sua filha cheia de saudades queria que ele a visitasse!

Trêmulo e assustado, responde carinhosamente:

- Está bem meu amor...

-Já estou chegando!...

Niterói, em 30.04.012

Ronaldo Trigueiros Lima

RONALDO TRIGUEIROS LIMA
Enviado por RONALDO TRIGUEIROS LIMA em 08/05/2012
Reeditado em 10/01/2013
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