Do amor, do cinema e dos sorvetes.

Na vida, tudo termina um dia. Mal ou bem, tudo acaba em algum momento. Nada é eterno. O amor, por exemplo. Como os créditos de um filme, a liquidez de um sorvete, inexoravelmente, o amor um dia deixa de existir. Simples como uma flor bonita que murchou da maneira mais vergonhosa possível.

Talvez, somente talvez, exista uma lição, na falibilidade das relações humanas. Posso invadir o viés lugar comum, dizendo que devemos aproveitar a maré enquanto o barco ainda navega, mas é estupidez entrar em um barco que já se sabe que afunda, cedo ou tarde. Ao invés disso, algumas pessoas preferem manter a distância das outras, com medo de comprar passagens valiosas em canoas furadas –compreensível– mas aí toda graça do jogo é desperdiçada pelo medo da aposta. Onde eu quero chegar? “She’s got a ticket to ride, and she don’t care”. Entra ou não entra nessa vibe do arrisque-se? Nesse momento criamos a geração expectativa. Explico: na esperança do homem/mulher/pônei ideal, nos jogamos em todas as direções, atiramos para todos os lados e, no final das contas, esbarramos justamente no comportamento que uma tal pessoa dita “correta” não aceitaria: a escola da putaria. É a simples premissa do tiro no escuro, sair com o errado na busca pelo certo. E provavelmente não encontramos nada no caminho, apenas desgosto.

Fato é: a pessoa certa, perdoem os apaixonados, não existe. Sinto muito, mas esperar no senhor ou em nossa senhora apenas prolonga o sofrimento e cria expectativas de encontrar um homem/mulher/pônei modelo anos 60 que já saiu de fabricação há tempos. Somos apenas uma concha, uma estética, uma apresentação desnecessária de bom moço/moça/pônei que na verdade apenas esconde todas as feridas que temos e a perversidade que somos. E vamos ao facebook, procurar pessoas, encontrar pessoas, passar de ‘solteiro’ para ‘em um relacionamento sério’ e depois voltar ao ponto inicial detestando aquela mesma pessoa, pois não encontramos metade do que procurávamos, e vice-versa, de maneira que agora nos encontramos mais gastos, mais velhos, mais usados e mais descrentes.

Então atualizamos nosso status, reclamamos do amor abertamente, duvidamos da existência do mesmo e, inexoravelmente, nos apaixonamos de novo... e fingimos não ver os suntuosos buracos no casco do mesmo barco que outrora nos enfiamos, e os buracos no casco de nós, que já não se mantém em pé sozinho.

Talvez seja isso, o amor existe, e é tão inevitável, para que tenhamos quem nos suporte para ficar de pé, ignorando as feridas que já temos e criando novas. Uma escora, um encosto (sem trocadilhos universais) para que nos mantenhamos eretos (novamente, sem trocadilhos eróticos) e nos preparemos para um fim inevitável. Pois todo filme acaba, todo sorvete derrete, sendo bom ou ruim, mas isso não te faz desistir do cinema ou da sorveteria. Muito menos do amor.

Gustavo Alvaro
Enviado por Gustavo Alvaro em 07/05/2012
Código do texto: T3655416
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