ODE A UM RESTAURANTE
 
O código era "quinta na sexta"!
Para os iniciados, estava perfeitamente claro que, na sexta-feira, teríamos o costumeiro almoço na Quinta da Boa Vista e isso era o que importava.
Só essa mensagem era o suficiente para a antevisão das comidinhas e bebidinhas que viriam- muito mais destas do que daquelas.
O restaurante da Quinta, mantinha  um hábito incomum para a época; só abria para o almoço e, talvez como represália, estendíamos o ágape até à noitinha. Seu carro-chefe era o cozido à portuguesa, que vai merecer capítulo à parte.
Mantínhamos lá uma grande mesa e garçom cativos  , garçom este que, aliás, terminava o dia num vasto porre!
Duas outras mesas eram, também, cativas e as três foram devidamente batizadas com sugestivos nomes; a nossa era Etanol (não sei porque).  Ao nosso lado, afastada uns 3 metros, estava a Caserna, cujos ilustres ocupantes eram meia-dúzia de coronéis reformados, bons de papo e de copo. 
Nosso gastronômico relacionamento era generosamente aquecido com a troca de garrafas de pinga, garimpadas, com zelo de arqueólogo, nos velhos depósitos de S.Cristovão.
O ritual de degustação era de se ver; longas bicadas acompanhadas de grunhidos e caretas de praxe e troca de olhares que diziam melhor que vãs palavras.
 
A terceira mesa , que nomeamos de Canteiro de Rosas, situada no extremo do salão, pertencia a um alegre grupo de quarentonas muito divertidas...e, absolutamente, sem compromisso!
Era, realmente, um canteiro de rosas, embora algumas já ostentassem a marca de  rigorosos invernos passados.
O melhor de tudo era que, ao fim da festa, sempre se podia colher uma florzinha aqui, outra ali
 
                                                0  COZIDO-VERDE
 
O seu adjetivo só poderia ser "portentoso"!
Nosso querido garçom, não sei como, trazia aquela enorme travessa sobre a palma da mão, à altura do ombro e atravessava um corredor, serpenteava entre as mesas e não perdia uma só gota de caldo ou de pirão, o que, se ocorresse, certamente deflagaria uma  revolução, comandada pelos nossos coronéis.
A atuação circense do nosso garçom, eu acho, servia para encobrir o efeito do grande volume de líquido que já ingerira.
Bem, dai pra frente a conversa cessava e, vagamente, se ouvia um "hum-hum" ou um suspiro de satisfação.
Batatas que derretiam na boca e sumarentos repolhos, mesclavam-se às cores alegres das tenras cenouras, das cebolas quase desfeitas, dos aipins que se abriam como flores, verdes e largas folhas de couve e entumescidos feijões.
O pirão, vidrado, borbulhando em sua panela de barro, reunia o aroma de tantas iguarias cozidas e mais o inefável toque de coentro!
As carnes salgadas, servidas à parte, remetiam  à era das cavernas e nós agíamos como se lá estivéssemos; costelinhas cuja carne se desprendia do osso, eróticas linguiças, gordos paios, generosos pedaços de peito que se esfiapava e lombo e rabo e orelha...e muito chope!
Velhos tempos!
Belos dias!

(NÃO DEIXE DE LER A COLEGA VALÉRIA DANTAS)
paulo rego
Enviado por paulo rego em 07/05/2012
Reeditado em 07/05/2012
Código do texto: T3654799