ARGUMENTO DE UM NOVO CURTA
UMBELINA
: argumento
Quantos Brasis existem? Quantos Brasis cabem no Brasil? Quantos Brasis cabem num poema? Quantos mundos cabem na poesia de uma anciã analfabeta? Quantos amores idos? Quantos dissabores? Quantos amores permanentes?
Segunda Guerra Mundial. Tempo de perdas humanas em uma família portuguesa numa Europa confusa como nunca d’antes. Uma moça assume o papel de cuidar dos irmãos mais novos, e, com isso, priva-se – pelo labor e pela falta de tempo para coisas desimportantes que este imprime ao ritmo da vida – do exercício da técnica da palavra escrita, por força das circunstâncias.
Décadas e décadas depois... Brasil, município de Mendes, interior do Estado do Rio de Janeiro – saiba-se que há, sim, um interior na Guanabara. A mulher desafia todas as normas cultas e pontua a cidade com sua poesia. Ela não fala simplesmente: ela versa. E muitas vezes, versar é mais do que falar, mais do que imprimir escrita. Versar é a fonte. É a primeira expressão da poesia, antes que esta se aborreça no papel. E o que Umbelina (agora a idosa Dona Umbelina) faz? Ela versa. E versa em todos os lugares: nas ruas, rodoviárias, praças, calçadas... da pequena Mendes, do Rio, do mundo. O papel passa a ser um detalhe para a poetisa que recita inúmeros poemas, inclusive de cor.
O que dizem de Dona Umbelina? Que juízo se faz desta figura emblemática? E mais... O que dizem seus cadernos? Ah, os cadernos de Umbelina... O que há nos cadernos de Umbelina? Quem os redigiu. Quem são os calígrafos. Os calígrafos anônimos de Umbelina são mais uma misteriosa nós no recheio de uma deliciosa torta portuguesa. Pessoas diferentes, de idades e sexos diferentes, imprimem com tinta de caneta ao papel caderno, com menos ou mais norma culta – e isto especificamente pouco importa – os versos de Umbelina.
O documentário UMBELINA quer mostrar em vídeo a História, e, sobretudo, a Poesia de Dona Umbelina Reis. Utilizará depoimentos de conhecidos e parentes. E tentará, não decifrar, mas dar historicidade, em forma de registro fílmico, à criação desta pessoa tão querida, e por muitos desconhecida, da cultura da cidade de Mendes... da cultura do país Brasil. Haverá também no pequeno filme, que bom, a fala de Umbelina. Ou melhor, o verso falado de Umbelina. Uma passagem introdutória por sua História, desde Portugal. Uma busca em seus cadernos, em fotografias, na imagem presente desta senhora. E muitas vozes, muitas, para a leitura de seus poemas. As muitas vozes farão, obliquamente, uma homenagem aos calígrafos anônimos de Dona Umbelina. E, em meio ao desfile visual e sonoro de sua poesia, uma pergunta percorrerá o filme: “Quem é Dona Umbelina?”.
Em meu primeiro contato com Dona Umbelina, eu estava na mesa de um bar e tive, emprestado por instantes, pelas mãos da própria, um dos seus magníficos, rústicos, e espantosamente simples cadernos. Li a seu pedido um dos poemas. Na segunda oportunidade, eu estava no sebo do amigo Álvaro Alves, onde havia uma exposição com o material da poetisa. Havia um móvel de madeira, com seus artigos em cima: fotos, um livro de pano (se me recordo bem) e os cadernos com caligrafias variadas. Tudo parecia velho e lindo. Numa de minhas várias visitas ao sebo, certo dia, lá estava novamente ela. E nova leitura fiz, como ela gosta. Naquela época Álvaro já dizia sobre como seria interessante um registro em vídeo dela. E eis que recentemente meu outro amigo Elano Ribeiro – homem de vídeo com quem trabalhei algumas vezes, incluindo o, conhecido de quase todos os mendenses, Cachorro-Quente Vodu, filme que dirigiu e que correu o Brasil, via TV e festivais, chegando até os Estados Unidos – me faz o convite propondo parceria na realização de um Doc sobre Dona Umbelina. E, assim, sem roteiro escrito, apenas com o argumento e algumas idéias na cabeça começamos agora nossa nova empreitada artística, de registro de história cultural, sem qualquer fim lucrativo. O que se pretende é um filme (documentário em vídeo full HD, em cor, com uma edição final de uns 20 minutos) que se esforce em mostrar a poesia orgânica de Dona Umbelina. Sua poesia de amor. De um amor que tem uma história de luta como arcabouço. Enfim, pretende-se um pequenino filme de amor e poesia.
Mendes, 8/5/2012.