O amor nos poemas de amor
Os mais famosos casos de amor da Literatura Brasileira são os de Tomás Antonio Gonzaga com Maria Dorotéia, Castro Alves com Eugênia Câmara, e Gonçalves Dias com Ana Amélia. Mas os versos - na verdade, maravilhosos arroubos poéticos - que, além das histórias reais, celebrizaram esses casos de amor foram realmente inspirados por sinceros e duradouros sentimentos?
Comecemos pelo caso de Tomás Antonio Gonzaga com Maria Dorotéia de Seixas. Aos 40 anos, Gonzaga (1744-1810) apaixonou-se por Maria Dorotéia, de apenas 15, e que se tornou, sob o nome de Marília, a musa inspiradora de quase toda a sua obra lírica. O poema “Marília de Dirceu”, totalmente dedicado à sua amada, é considerado um dos poemas mais lidos de toda a Literatura em língua portuguesa. Pelo seu envolvimento na Inconfidência Mineira, Gonzaga foi preso, passando primeiramente três anos numa prisão no Brasil, sendo depois condenado ao exílio por 10 anos em Moçambique. Na prisão, separado da amada, escreve “Marília de Dirceu” e parte para o degredo, jurando amor eterno:
"Ah! minha Bela; se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essa faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.”
Mas, Tomás Antonio Gonzaga, que fora condenado ao exílio por apenas dez anos, ficou em Moçambique por mais 17 anos, até a sua morte. Razão: casou-se com Juliana, filha de um rico comerciante de escravos, com quem teve dois filhos. Tornou-se abastado fazendeiro e se continuou a fazer versos com certeza não foram mais para Dorotéia de Seixas, a famosa Marília, que morreu solteira, no Brasil, aos 79 anos.
O caso de amor de Castro Alves (1847-1871) com Eugênia Câmara parece ter sido mais conturbado. O que se sabe é que Eugênia era uma atriz vaidosa e volúvel, e que Castro Alves era um rapaz bonito e poeta brilhante, mas pobre e sem ambições políticas; como poesia não compra jóias nem roupas caras, é provável que a inconstante Eugênia tenha se cansado do poeta que, por essa razão, entregou-se à solidão e à tristeza. A história conta que Castro Alves foi fazer uma caçada e levou um tiro acidentalmente na perna; mas há boatos de que tenha tentado o suicídio. De qualquer forma, por causa desse acidente, teve que amputar a perna, foi atingido pela tuberculose e morreu aos 24 anos. Fica a impressão de que o grande Poeta dos Escravos preferiu morrer a ficar sem a sua musa... Só impressão, ao que tudo indica. Vejam estes versos:
“Meu amor... Meu amor é um delírio...
É volúpia, que abrasa e consome
Meu amor é uma mescla sem nome.
És um anjo, e minh'alma - um altar.
Oh! meu Deus! manda ao tempo, que fuja,
Que deslizem em fio os instantes,
E o ponteiro, que passa os quadrantes,
Marque a hora em que a possa beijar. “
(Castro Alves, in “Dama Negra”)
Lindos e emocionantes versos, não é mesmo? Só que não eram para a Eugênia, apesar de terem sido escritos na mesma época do seu tórrido romance com ela. Nesse tempo, o grande vate, convencido de que “quem tem duas só tem uma e quem tem só uma não tem nenhuma”, já arrastava as asas de gavião para uma “dama negra”, que até hoje não se sabe quem era...
O caso do meu conterrâneo Gonçalves Dias (1823-1864) foi tão emocionante quanto proficiente em versos. Gonçalves Dias, poeta maranhense famoso, amigo do Imperador, mas mestiço, apaixonou-se pela linda e rica moça da alta sociedade maranhense da época, Ana Amélia, no que foi plenamente correspondido. Mas os pais de Ana Amélia recusaram-lhe a mão da moça mediante a simples e ofensiva alegação de que a filha deles não se casaria jamais com um negro. Aquela brutal recusa humilhou profundamente o orgulho de Gonçalves Dias e, embora Ana Amélia estivesse disposta a enfrentar o preconceito da família e fugir com ele, o poeta resolveu ir embora para o Rio de Janeiro e depois para a Europa, dedicando-se a derramar lágrimas em pungentes versos. Ana Amélia casou-se, mas se reencontrou com Gonçalves Dias alguns anos depois, em Lisboa. E esse reencontro inspirou ao poeta o poema “Ainda Uma Vez Adeus!”, considerado um dos mais belos e expressivos poemas de amor da Literatura Brasileira. Vejam os versos iniciais:
“Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri!”
Mas dizem as más línguas que o poeta, quando vivia em Paris, arrancava lágrimas e suspiros com seus tristes e eloquentes versos que falavam de amor e de saudade. Mas os fazia nas mesas do Moulin Rouge, famoso cabaré de Paris, sempre cercado de lindas quengas francesas...
Vinícius de Moraes, o nosso grande “Poetinha”, deu-nos a chave para decifrar o enigma dos poemas amorosos, sugerindo que o amor “seja eterno enquanto dure” , isto é, hoje você está sofrendo, soluçando, derramando rios de versos dos seus olhos inundados de emoção, mas amanhã... Amanhã será outro dia. Em vez de afundado no mar dos seus tormentos, poderá estar já a salvo, numa ilha de braços macios e quentes...
Esquecidos da advertência de Vinícius, derramamo-nos em expressões de solidariedade por essas paixões que vão e vêm do peito do poeta ou da poetisa, talvez na mesma velocidade com que escrevinham os seus poemas: “eis uma mulher realmente apaixonada”, “eis um homem que sabe o que é amor”, etc. Parece que todos nós gostamos de acreditar que o poeta coloca o seu coração no poema. E concluímos: se o coração nunca mente, o poema também nunca mente...
Contudo, no mais belo e pungente poema de amor nenhuma garantia temos de que o poeta está colocando nele todo o seu coração. E eu, também poeta, concluo:
Realmente, o coração nunca mente. Já o poema...
Os mais famosos casos de amor da Literatura Brasileira são os de Tomás Antonio Gonzaga com Maria Dorotéia, Castro Alves com Eugênia Câmara, e Gonçalves Dias com Ana Amélia. Mas os versos - na verdade, maravilhosos arroubos poéticos - que, além das histórias reais, celebrizaram esses casos de amor foram realmente inspirados por sinceros e duradouros sentimentos?
Comecemos pelo caso de Tomás Antonio Gonzaga com Maria Dorotéia de Seixas. Aos 40 anos, Gonzaga (1744-1810) apaixonou-se por Maria Dorotéia, de apenas 15, e que se tornou, sob o nome de Marília, a musa inspiradora de quase toda a sua obra lírica. O poema “Marília de Dirceu”, totalmente dedicado à sua amada, é considerado um dos poemas mais lidos de toda a Literatura em língua portuguesa. Pelo seu envolvimento na Inconfidência Mineira, Gonzaga foi preso, passando primeiramente três anos numa prisão no Brasil, sendo depois condenado ao exílio por 10 anos em Moçambique. Na prisão, separado da amada, escreve “Marília de Dirceu” e parte para o degredo, jurando amor eterno:
"Ah! minha Bela; se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essa faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.”
Mas, Tomás Antonio Gonzaga, que fora condenado ao exílio por apenas dez anos, ficou em Moçambique por mais 17 anos, até a sua morte. Razão: casou-se com Juliana, filha de um rico comerciante de escravos, com quem teve dois filhos. Tornou-se abastado fazendeiro e se continuou a fazer versos com certeza não foram mais para Dorotéia de Seixas, a famosa Marília, que morreu solteira, no Brasil, aos 79 anos.
O caso de amor de Castro Alves (1847-1871) com Eugênia Câmara parece ter sido mais conturbado. O que se sabe é que Eugênia era uma atriz vaidosa e volúvel, e que Castro Alves era um rapaz bonito e poeta brilhante, mas pobre e sem ambições políticas; como poesia não compra jóias nem roupas caras, é provável que a inconstante Eugênia tenha se cansado do poeta que, por essa razão, entregou-se à solidão e à tristeza. A história conta que Castro Alves foi fazer uma caçada e levou um tiro acidentalmente na perna; mas há boatos de que tenha tentado o suicídio. De qualquer forma, por causa desse acidente, teve que amputar a perna, foi atingido pela tuberculose e morreu aos 24 anos. Fica a impressão de que o grande Poeta dos Escravos preferiu morrer a ficar sem a sua musa... Só impressão, ao que tudo indica. Vejam estes versos:
“Meu amor... Meu amor é um delírio...
É volúpia, que abrasa e consome
Meu amor é uma mescla sem nome.
És um anjo, e minh'alma - um altar.
Oh! meu Deus! manda ao tempo, que fuja,
Que deslizem em fio os instantes,
E o ponteiro, que passa os quadrantes,
Marque a hora em que a possa beijar. “
(Castro Alves, in “Dama Negra”)
Lindos e emocionantes versos, não é mesmo? Só que não eram para a Eugênia, apesar de terem sido escritos na mesma época do seu tórrido romance com ela. Nesse tempo, o grande vate, convencido de que “quem tem duas só tem uma e quem tem só uma não tem nenhuma”, já arrastava as asas de gavião para uma “dama negra”, que até hoje não se sabe quem era...
O caso do meu conterrâneo Gonçalves Dias (1823-1864) foi tão emocionante quanto proficiente em versos. Gonçalves Dias, poeta maranhense famoso, amigo do Imperador, mas mestiço, apaixonou-se pela linda e rica moça da alta sociedade maranhense da época, Ana Amélia, no que foi plenamente correspondido. Mas os pais de Ana Amélia recusaram-lhe a mão da moça mediante a simples e ofensiva alegação de que a filha deles não se casaria jamais com um negro. Aquela brutal recusa humilhou profundamente o orgulho de Gonçalves Dias e, embora Ana Amélia estivesse disposta a enfrentar o preconceito da família e fugir com ele, o poeta resolveu ir embora para o Rio de Janeiro e depois para a Europa, dedicando-se a derramar lágrimas em pungentes versos. Ana Amélia casou-se, mas se reencontrou com Gonçalves Dias alguns anos depois, em Lisboa. E esse reencontro inspirou ao poeta o poema “Ainda Uma Vez Adeus!”, considerado um dos mais belos e expressivos poemas de amor da Literatura Brasileira. Vejam os versos iniciais:
“Enfim te vejo! - enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri!”
Mas dizem as más línguas que o poeta, quando vivia em Paris, arrancava lágrimas e suspiros com seus tristes e eloquentes versos que falavam de amor e de saudade. Mas os fazia nas mesas do Moulin Rouge, famoso cabaré de Paris, sempre cercado de lindas quengas francesas...
Vinícius de Moraes, o nosso grande “Poetinha”, deu-nos a chave para decifrar o enigma dos poemas amorosos, sugerindo que o amor “seja eterno enquanto dure” , isto é, hoje você está sofrendo, soluçando, derramando rios de versos dos seus olhos inundados de emoção, mas amanhã... Amanhã será outro dia. Em vez de afundado no mar dos seus tormentos, poderá estar já a salvo, numa ilha de braços macios e quentes...
Esquecidos da advertência de Vinícius, derramamo-nos em expressões de solidariedade por essas paixões que vão e vêm do peito do poeta ou da poetisa, talvez na mesma velocidade com que escrevinham os seus poemas: “eis uma mulher realmente apaixonada”, “eis um homem que sabe o que é amor”, etc. Parece que todos nós gostamos de acreditar que o poeta coloca o seu coração no poema. E concluímos: se o coração nunca mente, o poema também nunca mente...
Contudo, no mais belo e pungente poema de amor nenhuma garantia temos de que o poeta está colocando nele todo o seu coração. E eu, também poeta, concluo:
Realmente, o coração nunca mente. Já o poema...