Mulher Madura, Mas Nem Tanto.

Me cansei de tentar entender a espécie humana.

Talvez isso se deva ao fato de eu ainda ser tão jovem, com cinquenta anos, já passou da hora. Vejo pessoas que aos 20 já sabem de tudo. Conheci um menino que aos 15 já sabia de toda a verdade. Entendia de coisas que eu nem pensava existir, como por exemplo, manter o gás dentro de uma garrafa pet por dias: Ao invés de fecha-la com a tampa, você põe uma colher dentro. Onde se aprende isso? E olha que eu pensei que sabia de tudo sobre cozinha. Uma mulher na minha idade é quase que obrigada, não á saber de tudo, mas pelo menos na cozinha sim. Talvez por isso estou solteira a tempos. Aliás, eu não estou solteira, eu sou, por opção mesmo. Acho que minha ignorância se deve a isso, não ter um marido. Todas minhas vizinhas casadas sabem muitas coisas, e algumas dessas coisas me arrepiam, principalmente quando Odete vem com conversinhas.

A prova cabal da inteligência e do sabe-tudo desses meninos na flor da idade é sua postura. Eles se recusam a querer saber de mais alguma coisa. Não leem livros, não veem documentários e uns nem estudam mais. Acho que é porque não precisam. Os tempos mudaram muito. Hoje os pais, quando percebem que os filhos sabem tudo, não se importam se eles não frequentam mais aulas. É fácil saber se seu filho sabe tudo, se ele é especial, mente aberta, QI acima da média. Pergunte se ele sabe o nome das novelas decor e se conhece o conteúdo das mesmas. Ou ainda e principalmente se ele assiste a programas de auditórios. Bom mesmo é saber se ele sabe também o nome das músicas, últimas paradas de sucesso que tocam nas rádios e mais, se sabe as musicas decor, principalmente as sertanejas. E se ele entra na internet tão somente para ver filmes pornôs, jogos, MSN e redes sociais, então ele é um exímio intelectual. Não precisa mesmo mais estudar, tampouco ler livros.

Aqui perto de casa tem uma escola, e eu vejo que eles até vão ao colégio, mas não entram, ficam do lado de fora do muro, conversando. Acho que trocando informações ou ensinando os que ainda não sabem tudo. Eu li muito em toda minha vida, mas ás vezes fico meia sem jeito de conversar com David, um amigo vizinho que sabe tudo.

Outro dia lhe perguntei se ele tinha o hábito de ler, e ele disse:

- O que que eu quero com um livro tia!

Me sinto meio fora do contexto atual da humanidade. Meio dêmodê, antiga, e porque não dizer, retrógrada. Mas alguma coisa está fora da ordem. Não é possível que alguém coma pizzas com quatro queijos com tanta naturalidade. Os homens – nem todos – porque eu não me encaixo nisso, sempre tiveram predestinação pro inesperado, pra descobrir o novo, pra pensar, pra estudar, analisar e com isso, aprender e se aperfeiçoar. Nas escolas ensinam coisas que vão além do que está descrito em livros e cartilhas. Acho que é por isso que há homens que ouvem o “ai se eu te pego”. Há alguma coisa nessa letra que eu, depois de me matar de estudar não consigo ver, sentir, tampouco ouvir. A melodia é linda, belíssima, concordo, mas não entendo nada da letra. A do Latino “festa lá no meu apê”, eu entendia, mas essa não consegui.

A Odete diz que essa música está totalmente relacionada a sexo, mas me recuso a acreditar. Odete é muito maliciosa, tudo é sexo pra ela. As rádios não tocariam uma música tantas vezes e com tanta frequência com um conteúdo desses. Uma vez fui a São Paulo e lá tem uma revista chamada Rolling Stones, que fala só sobre artistas desse naipe. Vou ver se consigo pedir uma pra estudar isso e esfregar na cara da Odete a verdade. Sexo! Eu me arrepio só de ouvir essa palavra, isso só vive na imaginação das pessoas. Jamais botariam isso numa música, não no nosso país. E olha que me considero uma coroa prafrentex, eu perceberia na hora se a coisa fosse libidinosa ou se tivesse uma intenção malvada ou maliciosa.

Vejo homens, mulheres e crianças dançando isso nas ruas, dentro dos carros, em rádios, programas de televisão e não consigo entender uma única palavra. Do mesmo jeito que aos meus 15 anos não entendia o que Bob Dylan falava em “like a rolling stones”, não entendo o ai se eu te pego. Definitivamente acho que meu problema, além de burra, é não entender de música mesmo. O “parabéns pra você” eu sei decor, e até me deleito a descrever a letra e sei sua finalidade. É uma letra que tem objetivo, é direta, emotiva até. E pra piorar a situação, lançarão o ai se eu te pego em inglês. E cá entre nós, se há uma versão em inglês disso, daqui a pouco isso se espalha pelo mundo e vou ter que tentar suicídio. Dá pra imaginar o ai se eu te pego em aramaico ou numa língua islâmica!

Mas eles sabem o que fazem, e não estão muito preocupados com o que eu sei ou deixo de saber. O importante é que em setembro haverá eleições e poderei ter meu direito supremo ao voto. Não vejo a hora. Conheci um candidato ontem, seu Wilson, moço bonito e inteligente. Ele veio na minha casa e prometeu me levar pra votar, junto com minha mãe Suzete e minhas sete irmãs. Camarada superinteligente ele. Tem apenas 22 anos, imagina! Nunca aprendi tanta coisa de uma pessoa numa única conversa. Talvez porque ele estava com pressa, falava, e falava e falava tanto que quase me emocionei, como quando estou na igreja ouvindo o pastor Marino.

Acho que não tem gente mais inteligente que pastores, políticos e artistas. Eles te emocionam quando falam, olham nos seus olhos como se você fosse um filho e o que sai de suas bocas são a mais pura verdade, eles te salvam. Só não entendo muita coisa quando os artistas, principalmente as duplas sertanejas e o cara do ai se eu te pego cantam. Mas assim como quando Bob Dylan cantava e eu também não entendia, sei que se trata de uma linda letra muito bem elaborada, comportada, sutil, inteligente e cheia de emoção. Não fosse assim ninguém os ouvia. E essa gente espalhada pelo Brasil afora não é nada burra. Elegeram o Lula, você tem alguma dúvida! Eu sou uma minoria, não devia ter deixado os estudos tão cedo.

Semana passada fui à prefeitura me candidatar à casa própria. Estão construindo casas de 42 metros aqui perto da minha, onde pago aluguel. Dizem que é um condomínio fechado, mas sem os muros. São 50 casas de alvenaria, todas muito bonitas e estão quase prontas. Mas não é um condomínio comum, tem casas verdes, amarelas e roxas. Eu sei que as parcelas são quase o valor do aluguel que pago aqui e terei que pagar durante quarenta anos. Mas nada como ter a casa da gente. Deixo de comer se preciso for, mas de duas coisas não abro mão: Dar o dízimo pra igreja, que já faço desde que me conheço por gente e pagar minha casinha. Prometi isso a mim mesma. Só pra você ter uma idéia, teve um dia que num culto eu estava sem dinheiro pro dízimo. Me senti muito envergonhada. Mas você acredita que dois dias depois fiz um empréstimo e fui levar pessoalmente na casa do pastor Marino! E olha que ele mora longe. Imagina o que eu não faria pra pagar minha casinha!

Falei com seu Wilson e ele prometeu que vai me dar uma força lá com os homens. As casas estarão prontas na semana que vem, mas ele me disse que só entregarão depois das eleições. Não entendi o porquê, mas tudo bem. Ele disse ainda que é pra eu levar todos os documentos, não na prefeitura, mas no comitê dele e deixar com dona Vera, sua secretária, que ela cuida de tudo. Não entendi também porquê deixar os documentos com dona Vera e não na prefeitura, mas tudo bem também.

Segundo ele, se eu deixar os documentos lá antes das eleições e que se der tudo certo e eu souber votar, uma amarelinha vai ser minha. Quase ri com isso, eu voto desde que sou gente e sei muito bem escolher um candidato. Com relação aos documentos estou tranquila, só falta um carimbo no meu titulo porque não pude votar na última eleição, estava internada no SUS, mas agora estou bem. Seu Wilson é engraçado, liguei pra ele hoje e me disse que virá em casa novamente, trazer um pessoal pra uma tal de assembleia, encontro, sei lá, coisa de político. Disse também que vai trazer uns CDs de músicas e uns comes-e-bebes. Espero que ele traga o ai se eu te pego, dai talvez ele possa me explicar, se tiver tempo, a letra. É muito bom ser amigo de políticos. Me sinto mais tranquila, segura. Com um amigo politico, um amigo pastor e uma casinha amarela, imagina! É Deus no céu e essa gente na terra meu Deus. Só o que me falta é entender as letras das músicas, daí já posso pelo menos conversar com o David, aquele metido, que nem de livros precisa pra saber de tudo.