Rubi
É manhã de carnaval, encostado no parapeito do prédio dum apartamento alugado, já compartilhei bebida com alguns amigos o suficiente para estar alegre. rio de algo que me falam e continuo a obsevar a massa de pessoas que caminha aos berros pela rua.
O sol, brilhando num esplendor como só aconteceria no Rio, reflete num vestido vermelho como maçã madura, que envolve uma dama que faz o astro rei parecer tão luminoso quanto a lua nova numa noite encoberta por nuvens cinza. Perco-me na visão da mulher deslumbrante, carregada dum vermelho que parecia queimar, um amigo percebe e indaga o motivo deu olhar embasbacado para algo que ele não sabe o que é. Aponto a mocinha rubra que prende minha atenção, recebo uma amigável cotovelada, imagino que tenha ficado tão sem jeito ao ponto de meu rosto ruborizar ao ponto de rivalizar a vestimenta daquela de quem era impossível tirar os olhos. Vejo-a aproximar-se, e à distância de um grito começo a chamá-la, da única joia capaz de igualar-se à sua beleza escarlate:
-Rubi!- Grito acenando com as mãos, a fantasia pesa em meu corpo- Rubi!- repito várias vezes.
Não é ela quem vê-me gritando como um louco e batendo os braços como se quisesse voar, mas sim uma mulher ao seu lado, que a cutuca gentilmente e aponta em minha direção, até hoje agradeço por estar usando uma fantasia espalhafatosa o suficiente para ter chamado sua atenção. Ela sorri para mime foi como se aquele meio de mostrar os dentes fizesse com que nada mais existisse. Disse que era linda, implorei para que subisse ao meu alcance, ou que me esperasse ali embaixo, e o que ela respondia era abafado pela cacofonia carnavalesca antes que eu pudesse decifrar as respostas. A turba dançante a carrega para longe, para fora do alcance da minha voz e muito distante da onde a queria; ao alcance dos meus braços. Quando vejo-a desaparecer em meio aquele oceano de foliões, sinto que ela carrega consigo meu coração.
O sol parece fosco, a bebida queima em meu estômago, a piada do amigo irrita, e até a música, que antes exaltava alegria, lembra uma ode ao abandono. Permito que estas sensações apoderem-se de mim por um tempo do qual não me lembro ao certo, para então tentar rir do destino, e de qualquer possibilidade de sucesso, e partir em busca da minha dama de vermelho.
Passo de bloco em bloco, a cada hora do dia que se vai meu peito aperta mais, aquela festa que faz todos pularem e rirem, aquele povo colorido, fantasias exuberantes, tudo parece sufocar-me; não desejo o arco-íris de som e cor que via, apenas um vermelho forte ocupava minha mente, um vermelho que não encontrava. Vi um rosa forte, numa mulata de dentes brancos, um bordô desbotado numa loira que vomitava, um vermelho com jeito de sangue seco numa garota claramente promíscua; mas nada do escarlate que buscava.
A claridade do dia cede lugar à uma escuridão iluminada por fogos, janelas de apartamentos dos quais famílias observavam a algazarra e riam, luzes dos blocos e respingos de prata derretida da lua. Resolvo afastar-me da balburdia, desolado por não encontrar aquela que incendeia meu ser e enfio-me num bar escuro, onde antigas melodias tocam, bregas e um tanto deprimentes. Encosto no balcão, um homem, de olhos irritados e rosto inchado, claramente exausto de atender foliões embriagados, dá-me a bebida que peço.
Coloco um gole de conhaque na boca e faço-o rolar dum lado para o outro; surpreso engasgo quando olho para a esquerda. Num outro canto, imerso numa penumbra preto e cinza, vejo lampejos dum vermelho flamejante em meio ao quase breu, com esforço engulo a bebida que queima, vejo aquele contorno rubro tomando forma à medida em que se aproxima e delinear a mulher que tanto almejei; andando numa dolorosa elegância ela pergunta:
-Você que me chamou?
Com um sorriso capaz de engolir o mundo, digo que sim.