Viver

Uma ânsia de destruir, tudo, qualquer coisa, consome minhas entranhas como fogo forte em lenha seca, e incapaz de direcioná-la em qualquer outra direção, tento ferozmente acabar comigo mesmo. Como falta-me a coragem de fazê-lo de modo rápido e definitivo, opto por trilhas mais longas.

Tento beber, todo o dia, o suficiente para entorpecer um elefante, considerando risíveis alguns fatos e consequências que para outros seriam de suma importância. Como o dinheiro que gasto sem possuir, e bebo mais para esquecê-lo, o sangue expelido pelo estômago que não suporta mais tamanho abuso, a dor lancinante que dele emana simplesmente abraço como irmã; a falta de sono piora exponencialmente com este nocivo consumo, e cansado de breves cochilos busco um repouso um tanto mais permanente; a depressão no dia seguinte que não desaparece até seja aberta a primeira garrafa; o asco no rosto de quem me olha; a tristeza na expressão de quem me gosta; a saudade de quem amou quem um dia fui. Nada disto sequer refreia esta mão teimosa que leva um copo atrás do outro até minha boca desejosa.

Busco em diversas químicas distanciar-me desta realidade; seja algo que acelere a mente, a deixe lenta, faça-me rir, chorar, que dê-me um exultante impulso de agarrar-me à vida ou uma urgência dolorosa de terminá-la, que crie imagens inexistentes à minha frente ou que evapore o que realmente está ali. Engulo, cheiro, fumo, tudo que seja preciso para desprender-me deste limbo em que vivo. Dizem que isto é covardia, fugir, esconder-me, digo que é tolice manter-se atrelado a este intragável marasmo desprovido de propósito, supérfluo como asas numa pedra.

Agarro a tristeza que sempre mostrou-se sólida companheira, um marco, pilar, uma constante lembrança de que continuo vivo. Mas ao invés de retribuir o carinho que tão prontamente lhe dou, enterra cada vez mais afiadas garras em meu peito, lacerando e comprimindo-o, mas numa inimaginável crueldade, sem jamais esmagá-lo por completo.

Faço isto e muito mais, e ainda assim vivo, cada novo sol que vejo traz consigo um sentimento um pouco pior, cada dia um pouco mais claustrofóbico, mais escuro, torturante, abafado, sufocante; um suplicio maior. E mesmo assim falta-me aquele pouco para que finalmente seja capaz de por um ponto final neste emaranhado de sentenças inacabadas e mal construídas que constituem a história de minha vida, pífia, patética e sem sentido vida.

Então cada dia vejo um tanto a mais de sangue escapando boca a fora, sinto uma tristeza um pouco mais pesada, minha mente se afasta mais um milímetro de impedir-me de deixar tudo pra trás num átimo de segundo; mas ainda assim vivo, um pouco menos a cada amanhecer, mas vivo.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 06/05/2012
Código do texto: T3652308
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