Crônicas de Buzão 1: A Sem- Noção
Lá estava eu, voltando para casa no trânsito infernal que se tornou o de Belo Horizonte, desde que começou as obras de duplicação e do BRT . Você entra no ônibus já com aquele olhar de desconfiança: Será que vai sobrar um lugar pra mim sentar? E estica o olho aqui e ali, passa pela roleta e ufa! Tem um lugar lá atrás, bem no fundo. Está certo que é no corredor e a gente logo pensa: - Putz, o buzão vai lotar (todo mundo corre para ir em pé nos fundos do ônibus, imaginando que vai ser mais fácil para sair!) e eu aqui na cadeira do corredor, vou ter que rezar!
Sim, caro leitor, porque aí, você começa a enumerar as possíveis hipóteses de transtorno para quem vai sentado na cadeira do corredor:
1) Pode entrar aquela pessoa obesa, que mal consegue passar na roleta e quase entala no corredor. Ela fica parada bem do seu lado, com a barriga bloqueando a passagem de qualquer cidadão que ouse a descer do ônibus. Então, quando alguém tenta, de todas as formas, vencer este bloqueia para descer, o gordinho ou a gordinha se espreme e vira um recheio entre você ( pobre coitado que está sentado inocentemente no corredor) e a pessoa que quer passar.Vira um efeito cascata e você é empurrado contra a pessoa que está sentado ao seu lado, na janela. Pronto, seu colega de banco já fica irritado com você e esta cena vai se repetir durante todo o trajeto, que é longo, diga-se de passagem...
2) Entra aquela pessoa que estava voltando para casa, quando viu ofertas no supermercado. Claro, perto da casa dela não têm promoções e se ela deixar de comprar, vai se culpar depois. Então entra com as 10 sacolas de plástico biodegradáveis, 05 seguradas em cada mão, mais a bolsa, sombrinha ou guarda-chuva ( de preferência as de cabo longo, que parecem mais uma arma) e para bem do seu lado, tentando acomodar todas as sacolas, bolsa e guarda-chuva no chão. Como não há espaço, sobra para a sua cabeça a bolsa e as sacolas penduradas. Você, como uma pessoa colaborativa, se oferece para levar pelo menos a bolsa da pessoa, e ela, mais que depressa, usurpa o pequeno espaço que existe entre seus pés e a cadeira da frente e coloca as sacolas, sem se importar onde você vai colocar os seus pés!
3) A terceira hipótese, é de entrar aquela pessoa com uma enorme mochila. Ela entra com a mochila nas costas, mas, após passar na roleta, coloca a mochila na frente e vai para o fundo do ônibus. Para do seu lado com aquele trambolho não apenas tampando a sua visão, mas balançando pra lá e pra cá, a cada movimento do ônibus. Nesse movimento, a mochila quase bate na sua cara e fica a poucos centímetros de isso acontecer. Você gentilmente se oferece para levar a mochila para a pessoa. Porém, a pessoa é daquelas sistemáticas que não deixa ninguém pegar na sua mochila, como se houvesse ouro ou milhões de dólares guardados ali. Ela simplesmente olha para você, com cara de desconfiança e diz: “- Não, obrigado. Eu mesmo vou levar”. Pronto, meu amigo, você vai passar o resto da viagem sem nem conseguir respirar direito, pois a medida que vai enchendo de passageiro, a mochila vai se aproximando do seu rosto e você sem ter para onde olhar ou virar-se, vai correr o risco de ficar com torcicolo no pecoço.
4) Entra aquela pessoa descolada, que acha que todo mundo curti o mesmo som que ela. Passa a roleta, pára do seu lado e tira o celular do bolso. Liga o player do celular e começa a escutar aquela música que você detesta, mas que as pessoas insistem em ouvir. Ou então, acha que todo mundo segue a mesma religião, coloca uma “pregação” e todos são obrigados a ouvir e concordar com o sermão. Isso para não citar aqueles que entram e colocam no noticiário esportivo, e ficam ouvindo narração de futebol. Estas pessoas devem não saber que o fone de ouvido foi inventado para este tipo de situação e que cada cidadão, mesmo em um transporte coletivo, tem o direito de decidir o que quer ou não ouvir! Fala sério!
Apesar destas hipóteses, o ser humano sempre pode te surpreender. Eis que entra, justamente naquele dia, uma mulher “ sem noção”. Passa a roleta com uma enorme bolsa e duas sacolas na mão. Pára do meu lado e fica “ tentando acomodar as sacolas”. Você se oferece para levar a bolsa. Ela praticamente joga a bolsa no seu colo junto com as sacolas. Você tenta ajeitar ali, ver onde a sua próprio bolsa está (pois neste processo, não importa o que você está carregando, porque a outra pessoa acha que você têm a obrigação de carregar os pertences dela!). Finalmente, quando você acha que vai poder seguir tranquilo a sua viagem, a pessoa abre a bolsa num lance repentino, tira um celular vermelho, desdobra uma anteninha e liga a função de TV do celular! Ela não se contenta em ouvir com fone de ouvido não, aliás, desconhece o seu uso. Aumenta o volume ( que nessas alturas, já passa do recomendável para o ouvido humano) e segura o celular, bem perto da sua cabeça ( você ali,sentada sem poder fazer nada) com a saída do som direcionado para o seu ouvido direito! Putz! A “sem noção” começa a rir alto, como se todos estivessem compartilhando daquele momento e você, com raiva, vai ter que seguir viagem aguentando esta situação!
Passei por esta experiência e vou te dizer: as pessoas precisam ser educadas a respeitar o outro e seus direitos. Não podem continuar agindo individualmente como se estivessem em suas casas e o outro não existisse ou como se o ônibus fosse uma extensão de onde moram...