CASADINHOS

Em minhas tardes, quando menina, eu tinha uma fome danada, muito provavelmente originada pelos folguedos, que invariavelmente envolviam pular, correr, subir em árvores... A saciedade podia vir em forma de cajá ou manga verdes (ambos com sal), um pão velho (espetado em um garfo) sapecado no gás de cozinha, um pacopaco ou, simplesmente, uma caneca de farinha de mandioca com açúcar.

Em nossa casa havia um volumoso e seboso livro de receitas, com centenas delas, altamente inspiradoras para as minhas lombrigas: bolos, sequilhos, pudins... Apesar de saber ler, faltavam-me experiência, o conhecimento dos segredinhos culinários e, muitas vezes, o básico: ovos, trigo e açúcar. Quando eu os encontrava, tentava fazer bolinhos de chuva, mas algo dava errado e eles acabavam se parecendo com orelhas de pau, encharcadas na banha de coco Dunorte (se lembra dessa marca?).

Pausa para incrementar o repertório de cultura inútil: a palavra “biscoito” vem de duas palavras francesas: “Bis" e "Coctus", significando "cozido duas vezes". Isso porque na época das grandes navegações não existiam Tostines, nem geladeira, nem vidros hermeticamente fechados, então era preciso fazer alguma coisa para garantir porções de carboidratos durante as longas viagens.

Isso não quer dizer que os biscoitos tenham nascido no século XV. Dizem que sua história vem desde o tempo das cavernas, quando o homem comia alguns grãos. Talvez alguns banguelas ou com os dentes cariados tenham tido a ideia de moê-los com pedras, misturar uma aguinha não fluoretada e pô-los para secar perto das fogueiras, não é não? Como saber?

Entre os egípcios, os biscoitos já pareciam bolachas secas e eram servidos adocicados com mel, uma vez que o açúcar ainda não era conhecido. Eram objetos de gentileza entre a casta nobre, feitos para dar de presente aos amigos. Na época, o “biscoiteiro” era normalmente um escravo de luxo, que podia ser comprado, alugado ou tomado à força, já que as receitas deliciosas estavam em suas cabeças há várias gerações.

Voltemos à minha história: o tempo passou e hoje eu não passo mais nenhuma vontade de comer um “trem” doce e bem gostoso. Aliás, isso é facilmente perceptível em minha aparência roliça atual: sonho de padaria! Rs,rs,rs.rs. Conheço muitos segredos da culinária e o meu forte são os pudins e os pavês, mas continuo sendo um zero à esquerda no tocante a biscoitos.

Para minha sorte, desde 22 de junho de 1984, existe em Linhares, a Associação Pestalozzi fundada por um grupo de voluntários (peço licença aos demais para destacar Therezinha Durão Costa e Marlene Felisberto Fiorot) incentivados pela Srª Scylla Teixeira Vargas, então presidente da Feapes- Federação Estadual das Associações Pestalozzi do Espírito Santo.

Nesse ponto, não tenho por objetivo falar da sua história, de suas conquistas e do belo trabalho desenvolvido desde 1986, quando a Escola Especial “Bem-Me-Quer” iniciou atendimento a 30 (trinta) deficientes mentais e deficientes múltiplos, em imóvel próprio, adquirido e reformado com recursos obtidos por meio de doações, e promoção de eventos diversos tais como: jantares, feiras de roupas usadas e leilões.

Considero importante, porém, que o meu leitor saiba que atualmente a Instituição atende 424 pessoas com deficiência ou transtornos globais do desenvolvimento, tanto no município de Linhares quanto no de Sooretama, por meio da Escola Especial “Bem-Me-Quer”. Para quem ignora, essa escola é reconhecida pelo Conselho Estadual de Educação, por meio da Resolução Nº 104/98 de 12/11/98, oferece atendimento clínico, educacional, e acompanha 258 alunos com deficiência ou transtornos incluídos em escolas comuns, além de outros 38 que se encontram no mercado de trabalho.

O trabalho das pessoas que lideraram e lideram a Associação Pestalozzi de Linhares merece o maior respeito e apoio de todas as pessoas de bem, mas de mim merecem agradecimentos especiais as mãos de fadas que misturam ingredientes para fazer macarrão, suspirinhos, hóstias, arrepiados e aquelas delícias minúsculas unidas por docinhos de goiaba, a que todos chamamos de “casadinhos”.

O título dessa crônica não é apenas uma referência a essa maravilha, aliás, todo o texto é apenas um pretexto para parabenizar as pessoas que batalharam pela instituição e lutam pela manutenção da Associação Pestalozzi de Linhares.

Nesse ensejo, quero dizer-lhes que toda vez que eu degusto um “casadinho” eu imagino que os biscoitinhos são os braços amorosos de vocês, estendidos sobre um recheio inigualável: pessoas puras, que desenvolveram autoestima e conhecem a dignidade, graças ao admirável empenho e trabalho de cada profissional que atua nessa entidade.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 03/05/2012
Reeditado em 04/05/2012
Código do texto: T3647327
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