física moderna, velhas canções de amor
Lá estava Sebastian, violão na mão, composição escrita num pedaço de papel, melodia ainda não definida e só uma certeza: conquistaria Ana, nem que fosse a última coisa que faria.
Ela não morava num castelo, nem estava presa no quarto mais alto da torre mais alta. Na verdade, morava em uma casa humilde. Poucos cômodos, cozinha pequena. Seus pais não eram governadores de reinados longínquos ou representavam uma grande influência no cenário político da cidade. Eram pessoas comuns, com seus empregos comuns e problemas comuns. Ana, no entanto, não compartilhava do mesmo adjetivo. Ela era (com o cuidado de destacar o bom e enigmático sentido da palavra) diferente. Dotada de ideologias revolucionárias e de uma visão de mundo positiva demais, sua personalidade era encantadora. Típica alemã dos olhos azuis, latina de cabelos negros apaixonantes ou moreninha da cor do Brasil, sua beleza estava lá, descarada, tão óbvia, tão certa.
Naquela noite, nuvens encobriam a lua, fazendo com que a escuridão se apossasse do coração do jovem apaixonado. A ansiedade, conceito sempre muito distante para Sebastian, se mostrava mais próxima que nunca. De repente, uma chuva fina passou a fazer parte da cena, trazendo consigo aquele ar trágico de romances escritos há séculos atrás. É claro que Shakespeare o inspirava, qualquer um experimentando o amor verdadeiro se identificaria com suas obras. Lera Romeu e Julieta e estava cegamente convencido que o melhor jeito de declarar sua paixão por Ana era, de fato, com uma ou duas canções de amor.
A noite avançava enquanto o herói ensaiava cada verso da canção um número quase infinito de vezes. Já decorara a letra, porém sabia que o jeito que se diz algo significa mais que a mensagem em si. Procurava, então, aquela feição que paira entre “perdidamente apaixonado” e “apaixonadamente perdido”. Teve de enfrentar, diversas vezes, o impulso de desistir daquela suposta idiotice e ir para casa. Essa mesma voz insistia em lembrá-lo que, em pleno século XXI, serenatas não tinham mais a relevância que costumavam ter. Mas ele não se importava. Trazia o brega como amigo de bolso há muito tempo e se considerava um romântico, daqueles que nunca, de forma alguma, dizem as coisas em seu meio literal. Num súbito surto de coragem momentânea, chamou por Ana.
Por um segundo, o mundo todo parou. Pássaros que pulavam de um fio para outro simplesmente congelaram no ar, da mesma forma que a chuva parara, estática, esperando o que fosse acontecer. Indo contra qualquer esperança que você, leitor, nutria de que esta seria mais uma daquelas histórias deixadas pela metade, em que o autor tem medo de ser taxado como adepto ativista do “mais do mesmo”, conceito que peca pelos finais previsíveis e felizes, Ana apareceu na janela. Como se tudo tivesse sido combinado, num instante a chuva cessou, as nuvens abriram espaço para a lua iluminar o local e o tempo passou a correr em baixa velocidade, tornando o momento mais longo e significativo que o normal (talvez não fora exatamente assim que aconteceu, porém é assim que deveria ter acontecido). Seus olhares se cruzaram e, mais que isso, pareciam conversar. Nenhum deles disse sequer uma palavra, porém parecia que revelavam coisas que precisavam ser reveladas há tempos.
Cantou, se emocionou, chorou. Sebastian não era um letrista por assim dizer, nem um músico ou um cantor. A canção apresentava um ou outro erro de concordância e palavras eram utilizadas no tempo incorreto. No entanto, aquela serenata ganhou o lugar permanente de memória mais romântica na mente de Ana. Trocaram poucas palavras e rapidamente um beijo aconteceu. Ainda que não fossem almas gêmeas, tendo vivenciado, no futuro, aquele cruel ditado que garante que nada é eterno, experimentamos aqui o gostinho de uma breve história de amor, sutilmente feliz à sua maneira.