MANHÃS ETERNAS

É manhã...

Estou a caminho da escola. Neste momento passo às margens da Lagoa do Taquaral. Abro as janelas e aspiro profundamente o ar fresco oriundo das árvores que emolduram este lugar. Enquanto isso peço a DEUS que me ilumine, me dê forças para compartilhar e trocar saberes. Prossigo no espaço e no tempo de 2008, na certeza de que uma energia muito boa segue comigo. O ponto final do meu destino ainda está longe, mas sinto uma alegria imensa e enquanto atenta percorro a rodovia, observo o horizonte sendo afagado pelo sol e por uma brisa suave.

O sem parar, me deixa passar, mas claro, sem deixar de registrar e alargar a fatura salgada do final do mês... A velocidade favorece e o trânsito também. Já estou à altura em que posso visualizar a pequena e acolhedora Jaguariúna. Diminuo a marcha e sobre o rio ainda faço um pedido: que a correnteza leve para longe toda energia negativa que queira interferir no plano divino. Alguns graus do ângulo, curva à direita e estou chegando mais uma vez, para mais um dia .

Nesta altura do trajeto, já começo a alcançar os alunos que caminham rumo à escola: em duplas, trios, grupos, ou até mesmo, solitários. Cada um a seu modo; com seus sonhos e alegrias. Muitos ainda meio embriagados pela sonolência, parecem querer impor resistência ao dia que começa. Vejo entre eles, uma das minhas alunas. Esta, caminha de mãos dadas com a mãe. Aliás, esta linda cena é constante. Todas as manhãs ressurge diante de meus olhos. Fico pensando o quanto aquela cumplicidade é enorme e tão linda. Privilegiadas são elas: mãe e filha, que dividem todos os dias entre um passo e outro, o compasso da vida. Dividem a companhia, a conversa e a partilha de bons momentos, banhados ora pela neblina suave, ora pelo sol ainda bem tênue. Privilegiada sou eu, por contemplar o quadro: tão linda cena protagonizada por Maria Júlia, que sequer tem idéia que me presenteia com tamanha contemplação. Não calcula que a felicidade de suas caminhadas regada à partilhas tão maternais, enfeita minhas manhãs. À medida que vou seguindo, o número de alunos vai aumentando. Alguns pares, caminham em total lentidão, compartilhando a cumplicidade dos enamorados. Finalmente, o Tozzi.

Abro a porta, e muitos “Bom dia!” ecoam pelos ares: dos alunos, dos colegas, mais alguns passos, em concomitância com a assinatura do ponto, o das secretárias, das zeladoras, e no jardim... até dos passarinhos que passeiam por alí. Subo os degraus. Alguns professores já aguardam o sinal. Enquanto ajeitam os materiais; os diários, giz e apagador, o mapa, acompanham também o "Bom Dia São Paulo". O burburinho vai aumentando, tanto lá fora quanto aqui. O sinal toca. Não dá mais pra resistir. Vamos todos. Enquanto uns descem as escadarias outros tomam a direção até o final do corredor. Ainda dou mais uma olhadinha em direção da saleta de visita, cujo aparador sustenta uma Bíblia. Na parede um CRISTO a abençoar, também, um pequeno banner com sábias palavras recebe caprichosamente quem ali acomoda. Nem precisamos esperar que os belos olhos azuis Aureanos, venham nos surpreender. Certamente ela ressurgirá por entre os alunos, conduzindo discentes e docentes, com aquela energia tão peculiar: ora com ares enérgicos, ora maternais. Enquanto conduz com disciplina, também conduz com tão grande amor. Embora sejamos todos subordinados, queremos sempre estar próximos do calor de sua dirigência. Não sei bem qual é o mistério que toma conta deste lugar, tão incomum ao ambiente escolar. Aqui, todos se juntam mais parecendo uma família. Dessas bem numerosas, a qual todos participam e dão palpites. É o mistério do amor fraternal que abraça, entrelaça, e emoldura todos que aqui estão.

Na classe, alguns alunos afoitos e outros parecem arrastar uma âncora, tamanha lentidão. Uns sedentos pelo saber, outros, para o encontro amistoso, para conversar e contar aos amigos, epopéias vividas a não menos de vinte quatro horas.

Mas é preciso dosar o tempo, dosar a conversa, dosar o olhar que devo dirigir a cada um. Alguns precisam muito mais do que somente minhas palavras. Precisam também do meu olhar. Preciso conversar com eles, mas parece que estão anestesiados, sempre tão calados. Assim em alguns casos, minha conversa tem mesmo que ficar no campo visual e espiritual. Preciso chamar a atenção dos falantes e dos dominadores e ao mesmo tempo, estar atenta aos que ali estão tão inertes. Tudo isto sem entretanto, deixar de lado a gramática, a literatura machadiana, a correção, a lousa, o giz, e também o diário. Verificando os presentes de corpo e alma e os ausentes. Ausentes ? Sim os de corpo e os de alma. Àqueles que por motivos diversos, apontam como alienados ao universo escolar. Estão ali, e eu não posso me deixar cegar, tenho que trazê-los de seus mundos distantes, tenho que prender suas atenções neste universo Tozziano.

Ah, como eu gostaria que soubessem que este tempo de escola é tão lindo... Que esta, é a época da vida que fica amalgamada em nossa existência e em nossa História. Que tudo deste universo, ficará pra sempre, e que jamais esquecerão de cada cantinho físico deste lugar. Que algum dia, suas lembranças resgatarão memórias do Tozzi, com características santuárias, mescladas de lembranças de pessoas queridas ou até mesmo das rabugentas que o tempo encarregará de coroar, como amorosas as avessas...

O sinal avisa e o intervalo ressurge em forma de explosão. Os mais apressadinhos saem sem demora e a maioria toma a direção do corredor. Enquanto ajeito meus livros, alguns ficam por ali. Que sensação deliciosa. Quero ficar ali também. Conversando de perto, ouvindo seus comentários, mas a nenhum de nós isto é possível. Seguimos todos e tomamos nossas direções.

A sala dos professores, agora mais parece uma sala de aula. Quanta conversa! Olho pela janela e vejo lá embaixo, os alunos agrupados em rodinhas ou sobre os bancos. Riem, conversam, e riem novamente... Meus Deus, quanta felicidade!!! Consigo me transportar para o meio deles. Que mistério é esse? Eles me devolvem a juventude e a adolescência de maneira mágica. Quanta felicidade toma conta de mim, mas calada me contenho. Nós adultos, muitas vezes temos que nos conter. Nem sempre podemos correr o risco de sermos mal interpretados. A simples sensação de me sentir tão bem, já me consola. Mas ainda assim, penso que mais pessoas como eu, quando contemplam tais cenas sentem alguma catarse. Acho que simplesmente, é inevitável.

As gargalhadas por causa de alguma frase muito engraçada, sacode e me traz de volta.

Ali estão Mestres e Mestras, MARIAS e JOSÉS, de todos os tempos, da vida inteira.

Entre o aroma do cafezinho no ar, geléias e biscoitos gerenciados por Rosali, muitos comentários: a classe, as provas tão numerosas por corrigir, os passeios, e em plena era digital os intermináveis diários de classe. O mau comportamento de algum aluno, o destaque de outros, a notícia de alguém conhecido que se foi, o lamento, o cansaço, a exaustão, e até mesmo..as peripécias caninas de uma nova mas conhecida Maddona. Os comentários do final de semana, tragédias em Santa Catarina, da política, Nova Proposta Pedagógica, os erros e os acertos, vamos reinventando formas de ensinar e o tempo devora sem demora, mais um intervalo.

As aulas prosseguem e o tempo escoa rapidamente mais um período.

Outra vez, mais um dia letivo e da vida também avança.

Minha missão vai sendo feita. Pouco a pouco, dia a dia, mês a mês... Chegará o dia inevitável em que partirei. Por isto meus olhos não se cansam de filmar cada detalhe deste lugar e cada olhar das pessoas que aqui estão. Elas provavelmente não imaginam o quanto já estou sofrendo com minha precoce e silenciosa despedida, pois minha partida esta cada vez mais próxima. Mas, como um cometa aqui estou apenas de passagem. Por isto tudo o que eu mais quero, é deixar dentro de meus próprios limites, do que a atual realidade me possibilita o melhor de mim.

Sei que levarei pra sempre, a grande alegria de ter passado por aqui. Longe da pretensão, da ousadia de ser a melhor professora, quero deixar meus alunos conscientes, de que toda possibilidade de alçar vôos e buscar saberes, esta dentro de cada um e que em suas mãos estará sempre a opção das escolhas.

O tempo passa depressa, mas é preciso aproveitar cada momento, pois no começo do dia e da existência, a vida nos presenteia com grandes acontecimentos, pessoas marcantes e vivências forjadas pelo fogo do amor.

Estas, serão o suporte para tudo o que vier.

Assim, as manhãs do dia e da vida, tão lindas e tão refrescantes permanecerão vivas, intactas, e para sempre... MANHÃS ETERNAS.

Lúcia Marques Peres
Enviado por Lúcia Marques Peres em 02/05/2012
Código do texto: T3646369
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