Confissão desagradável



 
                               Hum, sei não... Estou naqueles dias nostálgicos que nos levam a sonhar. Imagino que este seja o estado de espírito ideal para os poetas. Vão às nuvens e nos presenteiam com saborosas poesias, nos fazendo  sentir vivos;  incendeiam nossa emoções e se não nos seguramos firmes nos balaústres dos ônibus da vida, temos tonturas existenciais! Hoje, estaria mais para aquele tipo de poeta inseguro, o que  já não é surpresa para mim, nem para os meus familiares. Falaria, então, como o Pessoa, através de seu heterônimo Bernardo Soares, que, angustiado, procura pelo rosto do seu chefe, o Moreira, concluíndo: “ o rosto do meu chefe Moreira é o meu porto seguro”. Ler é o melhor remédio, penso. Na leitura, aprendo alguma coisa, faço descobertas. Descubro mais um poeta, contemporâneo do Pessoa: José Gomes Ferreira! E como todo bom poeta tem uma frase que me absolve do meu eterno espanto, de que tanto falo em minhas crônicas. Diz o poeta, a respeito de um aviso na entrada de uma floresta mágica, do conto “João sem Medo”: - É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir. Depois dessa “deixa”, sinto-me  autorizadíssimo a penetrar na minha floresta existencial. Entro numa vereda familiar - é bom não facilitar - e me vejo retornando ao passado do meu tempo de jogador de tênis de mesa pelo Fluminense. O vestiário dos jogadores, mesmo amadores, era requintado e oferecia todo conforto para o atleta. Várias duchas de banho, sabonetes caros, cadeiras para relaxamento e um roupeiro atento a qualquer solicitação dos jogadores, o “Seu” Henrique. Eu costumava exigir do “seu” Henrique um sabonete tirado da caixa, não aceitando um já usado, mesmo que utilizado apenas uma vez por um colega.  Quanto ao material do jogo, a exigência redobrava: a bola de tênis de mesa tinha que ser importada do Japão e qualquer defeito da bola era o bastante para chamarmos imediatamente o “seu” Henrique para substituí-la. Enfim, vivíamos em um ambiente rico e muito sofisticado. Não tinha ideia, mas vejo agora que me sentia um príncipe. Pois bem, minhas amigas e amigos: surgiu um conflito existencial em minha mente, para empanar esta vida deliciosa no Fluminense. Quis o destino que eu tivesse que jogar contra um jogador do Flamengo, meu time de futebol do coração. Ao ver o Viscardinho, era o nome dele, com a camisa rubro-negra, aquele manto sagrado, deixei-me dominar por uma grande tristeza. Joguei sem ânimo, flamenguista que sou. Fui rápido em minha decisão: pedi ao Viscardinho que me levasse ao Flamengo e combinamos um encontro naquele clube, na semana seguinte, para que eu conhecesse as suas dependências. Pensava gloriosamente: teria que voltar às minhas origens. Chegando ao Flamengo, treinei com os seus  jogadores  e, ao final, perguntei onde ficavam os banheiros, pedindo logo um sabonete e toalha, como costumava fazer no Fluminense. Foi nessa hora que começou meu pesadelo: só havia um banheiro, sem água, sem toalha e sem sabonete. Os colegas me disseram que o Clube era pobre e que eu tomasse banho em casa. O meu desencanto foi tão grande, que não me lembro de ter pensado em nada e também não me recordo de ter feito qualquer reflexão sobre o acontecido e muito menos ter consultado meu coração. Simplesmente,  só me lembro de ter voltado ao Fluminense, quando regressou  minha coragem e segurança psicológica ao olhar fixamente para o rosto redondo do “seu” Henrique. Com certeza, ali estava  o meu porto seguro!      






                    Nota:  Mais uma republicação. Na época, há dois anos, só os meus amigos Roberto Rego, Marcio Felix e Roberto Leite leram essa crônica, que gosto muito. Quem tem o meu livro de crônicas, com certeza já leu esta crônica, agora com ligeira modificação e  cuja releitura acho que será saborosa. Gdantas