O PROF. FREDI É NOSSO HERÓI

Num janeiro escondido da vida chego de mansinho... Vou lentamente descobrindo lembranças adormecidas, enquanto uma poeira fina acumulada ao longo do tempo vai dançando no ar. Esta, desafia meus olhos que resistem em abrir as janelas do tempo...

A claridade desconforme das candeias, iluminam trazendo de volta um mundo distante, colorido pela alegria de uma infância feliz, pintada pelas cores dos tempos de escola...

É... Quem ainda lembra daquele cheiro tutti fruti nos materiais escolares, dos livros e cadernos encapados cuidadosamente com plástico, lápis de cor, as canetinhas porosas, a cola, o apontador...

Livros com páginas eternamente amareladas e inesquecíveis, condensam risos e gargalhadas...

Um cheiro marcante da cantina pelos ares; aguça os sentidos e revela ora pelo aroma salgado, ora pela doçura, sabores como dos sonhos, da cocada baianinha ou até mesmo do quebra- queixo e daquela tão apreciada pipoca do seu Dito.

O que minha tela plana projeta depois de meses intermináveis e tão longínquos, vem misturados ao aroma e o frescor do verde oriundo das árvores, que emolduram os fundos do colégio. Lindas, frondosas, dançam com seus galhos e festejam todos que ali estão.

De um lado, sob o olhar da professora, as meninas fazem aquecimento, preparam músculos e liberam alegria, para movimentos mais drásticos na ginástica do dia. Enquanto umas reclamam, outras extravasam e se divertem, mas há ainda aquelas mais resistentes, que agem forçadas pela obrigação.

Ao fundo, mais distantes estão os meninos. É possível ouvir os chutes que explodem na bola, enquanto o apito do professor vai regrando o jogo. E correm e caem, e miram, e usam táticas pra levar a bola para o gol. Enquanto o professor vai cobrando regras, uns reclamam, outros enfurecem ou ainda alcançam o topo da glória,vibram e festejam cada jogada.

As lembranças vão dançando dentro de mim, chacoalhando vidas que estavam escondidas num tempo, que estavam lá, quietas e adormecidas no passado...

Tempos de escola... Tempos da educação plena: do corpo e da alma. Mentes tão felizes em corpos regados pela beleza sadia da adolescência. Meninos e meninas vivendo num tempo cuja receita foi esquecida em algum lugar...

Meus olhos fazem um esforço descomunal, resistem a pororoca, mas à medida que as imagens vão sendo reveladas, mais e mais, o inevitável acontece... A ressaca de Assis toma conta...

Enquanto as meninas domam músculos e medem força no salto, os gritos vindo da direção da cancha dos meninos, agora, atestam desespero, sabor amargo salpicado pelos gritos de horror. Corremos todas para ver de perto o que motiva tão grande trovoada em plena tarde ensolarada. É Tatuí. Ele tinha nome e sobrenome, mas a habilidade em assobiar com as mãos emitindo um som peculiar, levara a ser conhecido como Tatuí.

Tatuí! Tatuí! Tatuí! Tantos gritos, todos gritam desesperadamente... Tatuí é da 5ª F, sala dos meninos. Na reserva, aguardava na torcida sua vez de jogar. Enquanto os colegas goleavam com a bola ele goleava com a pipoca, até bater em sua própria trave.

Tatuí está engasgado. Minha nossa, quanta confusão! O professor tenta, vira, revira, faz safári na boca de Tatuí, faz de tudo e nada. Não adianta, Tatuí não responde. Está engasgado com pipoca. Em choque, estamos todos ali. Tatuí não pode morrer.

O professor corre, salta o muro sem perca de tempo, cerca o primeiro que passa num veículo: um caminhão. Tatuí é carregado para cima da carroceria. Seguem juntos, professor e alguns amigos. Levam para o hospital, socorro certo.

Depois da tensão Tatuí fica bem e todos ficam aliviados.

Fim da aula, fim da educação física, fim do esforço físico e espiritual do dia.

Naquele dia incerto empoeirado pelo tempo, fica impresso na História: O PROF. FREDI É NOSSO HERÓI.

Lúcia Marques Peres
Enviado por Lúcia Marques Peres em 01/05/2012
Código do texto: T3644236
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